Homens&Pássaros

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Terça-feira, 17 / 08 / 10

No coração da noite

No coração da noite
pinceladas de trevas
expõem,
como rosas de fogo,
as feridas da amada.

Ó amada querida, não sofras!
Por ti deixei o paraíso
e desci ao inferno da vida.
Vasculhei os profundos poços da tristeza
e encontrei os teus olhos molhados
de úmida madrugada.

Nada entre nós foi tudo
fomos um pouco de ausência
um pouco de esquecimento
e esquecemos nossa aliança de amor
nas esquinas de Olinda.

A cidade caía sobre nós feito chuva
uma forte chuva ácida
corrosiva e quente
que destruía o esmalte dos desejos
e da vontade construída pelos anos vividos.

Tua ferida amada
não mostra só a ti sozinha e decepcionada.
Mostra também a mim
um retalho de horizontes
dentro do mar ensimesmado.

Caí contigo.
E juntos rolamos pelas ladeiras do Carmo
em gemidos de dor e desespero.
A rosa vermelha se abria
o coração pulsava.
De onde viéramos não constava o mapa
e onde estávamos era um fronteira sem marcas
um território longínquo
um estar sem alma
um pesadelo sem dormir.

Por isso amada
a ferida se abre.
Hoje ela se abre no leito desfeito
e se esparrama amarga pelo tempo
e nada conseguirá deter o ressentimento
daqueles momentos doídos
daqueles momentos líquidos
que escorreram entre os dedos trêmulos
daquelas tardes cinzentas.

Dorme, ó amada!
ao teu lado morrerei um pouco
mais um pouco da morte que já sou
e velarei em silêncio o teu segredo
e afagarei com espinhos
a rosa que se abre
no fundo fechado dos teus olhos
de onde as lágrimas escorrerão macias
e molharão a noite
de uma maneira suave e triste
como se fossem nossas vidas
hoje tão distantes de nós
hoje tão adormecidas
hoje tão definitivamente sozinhas.

Santos/sp/13:25hs/Domingo)

publicado por Antonio Medeiro às 08:49
Terça-feira, 31 / 03 / 09

FARDA

1964 é um ano marcante para a minha geração.

Uma década em que mudamos do mel para o fel, da paz para a guerra, do sonho para o pesadelo, da luz para as trevas... trevas de mais de 20 anos.

Éramos crianças e o peso do coturno chegou com força total, pisando nossas cabeças inocentes... castrando intelectualmente uma geração inteira.

A rotina das pessoas mudou. A música mudou. O carnaval mudou. Tudo era tão claro, de repente ficou tudo escuro.

Tudo era um medroso suspense, como num filme de Hitchcock. Tínhamos medo de abrir a porta, de olhar embaixo da cama, de caminhar na rua, fosse noite ou dia.

Conversar com as pessoas não devíamos - garçons, motoristas de táxis, barbeiros: qualquer um podia ser o outro, aquele que denunciava por proteção, dinheiro ou ideologia.

Na escola proibiu-se autores, mudou-se o conteúdo das matérias, professores foram presos e a questão disciplinar passou a ser tratada com mão-de-ferro.

Eu, menino, me lembro de duas coisas que mudou drasticamente na minha escola: as filas e a farda... antes, uniforme.

As filas passaram a ser obrigatórias em tudo. Antes de entrar para a sala. Para voltar do recreio. Para sair da escola. Para.... A escola passou ser uma extensão da caserna.

A farda foi pior: éramos crianças e usávamos uniformes simples: calça azul-marinho - curta - camisa branca, meias e sapatos.

A nova ordem impôs: calca bege - comprida, com cinta - camisa bege de mangas compridas - com abotoaduras e gravata preta; meias pretas e sapatos pretos.

 As meninas também mudaram as cores para bege, meias pretas, sapatos pretos e saias bem mais longas do que as do uniforme anterior.

Nos tornamos verdadeiros soldadinhos.

Uma geração no divã da história. Vivemos ou sobrevivemos às mazelas da repressão?

Não sei, mas tenho certeza que, hoje, seria um cidadão bem melhor do que sou, tivesse vivido uma vida normal, sem castração, sem a humilhação de ter sido proibido de ler, assistir filmes, ouvir música e de, sobretudo, ter crescido em paz, longe da longa trajetória da violência que se instalou no país.

Vivi muito tempo no escuro e a claridade, hoje, me dói os olhos.

Que daqui para a frente, o bom senso nos livre desse tipo de mal... amém!
.
TõeRoberto-post in férias por aí/br

música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
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