Homens&Pássaros

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Sexta-feira, 02 / 12 / 11

Da cor do pecado

Naquela manhã Alzeredo contrariou Risoneide pela 3ª vez.


Risoneide só olhou com o rabo dos olhos, jogou a roupa suja no tanque e começou a esfregar.


Fervendo por dentro, começou a contabilizar mentalmente as roupas:


Calça de Alzeredo. Calcinha de Risoneide. Camisa de Alzeredo. Vestido de Risoneide. Cueca de Alzeredo. Cueca de Alzeredo. Blusinha de Risoneide. Meia de Alzeredo. Camisa de Alzeredo...; parou, ficou pensativa, levou a camisa no nariz e sentiu o perfume... respirou fundo.


Levou a camisa no nariz e cheirou novamente...


Lá estava o cheiro: claro, cristalino, forte, barato... de mulher!


Contou até 10, mas não se virou.


Ficou de pé, com a barriga no tanque, com a camisa na mão; branca - morena que era - como uma vela.


Alzeredo, no banheiro, fazia a barba.


O café estava na mesa: suco de laranja, leite, café, bolacha de maizena, pão, manteiga, goiabada e queijo.


Alzeredo, no banheiro, cantarolava:


Este corpo moreno cheiroso, gostoso que você tem...


Risoneide, com a camisa na mão, o coração querendo sair pela boca... uma coisa ruim por dentro, uma vontade de arrancar aquele tanque com uma porrada, de cortar os pulsos... tomar veneno.


No 'tomar veneno' olhou na prateleira, acima do tanque, e viu uma embalagem verde, com a foto de um rato... uma caveira desenhada.


Ficou sem fôlego, mas pensou... que pensou, pensou!


Ficou 1/2 que sem jeito com o pensamento.


Alzeredo, no banheiro:


É um corpo delgado da cor do pecado que faz tão bem...


O sangue fugiu dos lábios de Risoneide.


Fixou novamente os olhos na embalagem verde, com a foto de um rato... uma caveira desenhada.


Um troço ruim percorreu todo o corpo: como uma onda começou na cabeça e terminou nos pés... e sacudiu o sangue.


Furiosa - em silêncio - jogou a camisa no tanque, pegou a embalagem verde e foi para a sala.


A mesa de café: suco de laranja, leite, café, bolacha de maizena, pão, manteiga, goiabada e queijo.


Olhou para o suco de laranja, com a embalagem verde na mão.


Num movimento rápido, fez o sinal da cruz, despejou o troço no suco de laranja, mexeu e correu de volta para o tanque... o coração saindo pela boca.


E continuou esfregando e contabilizando:

 

Bermuda de Alzeredo. Sutiã de Risoneide. Camisa de Alzeredo...


E, no banheiro, Alzeredo:


Este beijo molhado escandalizado que você me deu...


Risoneide esfregou a camisa perfumada com força.


E ouviu quando Alzeredo saiu do banheiro, passou pela mesa de café, pegou o copo de suco de laranja... e cantarolou:


Tem um sabor diferente que a boca da gente jamais esqueceu...


TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 17:54
Quinta-feira, 07 / 04 / 11

Tumulto

Tumulto é o meu nome e se escreve com pólvora
e se escreve nos muros da cidade adormecida.
Cheguei à cidade triste e escalei seus altos muros
com meu nome preenchidos.

Tumulto!
Cheguei agora e estou prestes a eclodir
nas bocas que comem a carne
na carne que engole a carne
nos crimes que vão explodir
nas edições dos jornais
assim que o dia surgir.

Tumulto é o meu nome e se escreve com sangue
nos olhos fundos do homem que está prestes a ruir
que está prestes a mergulhar
nas ondas do fundo mar
à procura de uma paz
que não lhe dá seu país.

O sangue preenche as páginas da história
que escrevi
os sonhos são meros fatos
nas ruínas que ergui
os homens não são mais nada
nas ruas de qualquer cidade:
Helsinque
Havana
e Paris.

O homem destrói o homem
o bicho liquida o bicho
o homem mais se aproxima
do bicho que come o lixo
do que o homem que eu vi.

Há espaço pro tumulto
por isto estou aqui
com minha febre escondida
nas aventuras do gibi.

Tumulto gera tumulto
os homens são meu frenesi
quanto mais eu toco neles
mais eles querem de mim.

Tumulto é o meu nome e se escreve com gritos
na aventura da TV
e se escreve com a fúria daqueles que são assim
meio homens, meio bichos
meio metade de lixo
escondidos pelos nichos
que na cidade incluí.

E todos estão assim
meio homens, meio bichos
meio metade de lixo
escondidos pelos nichos da cidade
que escrevi.

Na peste
a morte é perversa
a morte é atleta
a morte é bela e esbelta
e não para pra dormir.

O tumulto é esta peste
sou eu que cheguei aqui
sou eu que vim dos infernos
pra minha pátria ungir
com a febre de seus homens
e seu sangue ruim e hostil.

Eu sou o tumulto, senhores
e e vim para destruir
enquanto houver silêncio
e o lixo ao homem servir
enquanto houver conivência
e o homem ao homem servir
meu nome gravado na pedra
o homem vai explodir.

Eu sou o tumulto, senhores
venham todos até aqui
toquem meus hematomas
minhas poças de sangue
o ardil
larguem desta cidade
o pesadelo senil
e todos os homens das ruas
venham acender o pavio.
(Santos/Sp-03:30hs/Domingo)

publicado por Antonio Medeiro às 03:48
Terça-feira, 14 / 12 / 10

Por nós (nem direitos, nem deveres)

Idolatrados são os sonhos, os nossos!

Profundos voos,
claras crateras,
asas azuis,
iluminadas borboletas.

Pobre do homem sem sonhos!
Sem profundezas,
sem raríssimas delícias:
negras memórias de remotas épocas,
verdes esperanças de cenas
de metamorfoses viscerais,
de risos...de vida!

Sozinhos nascemos.
Sozinhos mergulhamos no infinito nada,
nos aborrecidos segredos das tristezas.

Os homens!
Ah, nós os homens!
Poças de sangue represadas,
suspiros coloridos, inertes,
pequenas coerências de miséria,
olhares indecisos, cegos mesmos;
e somos homens!,
elementares desertos de certezas
da fumaça do cigarro sobre a mesa.

E cantamos!
Bebemos goles de delícias
sobre o corpo acidentado dos desejos.
E vivemos!
Observem como vivemos!
Vivos conduzimos nossos erros,
alimentamos, sem vontade, nossos olhos
com as imagens distorcidas dos segredos.

Às vezes penetramos as entranhas
do mistério ensimesmado dos resíduos,
estas partículas espalhadas pela alma,
pedaços do que somos e não somos,
essas coisas penduradas nos arquivos
das nossas desprezíveis atitudes,
pequenos atos, confusos, obscenos,
contínuas violências gratuitas
fantasmas habitantes do instinto.

Mas sempre somos!
Alguma coisa nos conduz a sempre sermos
objetos de fatais indecisões.

Corrompemos, muitas vezes, a clareza
do que nascemos,
que vivemos,
que amamos,
sempre hostis às nossas imensas emoções.

Caminhamos, nós os homens, muitas vezes,
pelas artérias, essas quentes avenidas,
à procura do amor ou do sorriso,
todos aqueles levianos arrepios
da nossa alma, puta vã, cosmopolita.

E somos tolos!
Construímos altos muros,
branco aço,
cidadelas de angústias
e nos perdemos noite adentro de nós mesmos,
sempre sonhando ver o dia clarear.

E até amamos!
Imaginem que amamos!
Somos vertigens no silêncio de um quarto,
somos lembranças, ajuntamentos de pedaços,
e somos corpos relutando com os corpos,
e somos crises de sozinho que ficamos,
e imaginem!, até choramos bem quietinhos nosso medo
após olharmos se a porta está trancada.

E há pedaços de carinhos espalhados
por todo o quarto amanhecido na ressaca,
e nossos olhos, essas tristes aberturas,
que nunca fecham pra barrar a nossa mágoa,
estão, agora, à luz do dia, estatelados,
de tão cansados de pôr água em nossa barba.

E pobre do homem que não ama!,
que não consegue um sofrerzinho de querer,
aquele homem que só olha um ponto fixo
e não entende que seu olhar já nada vê.

Precisamos nos partir em mais pedaços,
em muitos cacos,
todos brilhos, muita luz,
precisamos aumentar nossas reservas
de sorrisos, de tesão, de bem querer,
ter mais vontades, mil sentidos, 10 mil almas
para nos darmos num sem fim até morrer.

Mas somos pobres!
Não há muito pra se dar, só pra querer,
há uma erosão de sentimentos em nosso corpo
nos corroendo dia a dia e a fazer
de cada parte ainda viva nas entranhas
um feroz lobo que de nós só quer o ter.

Como gritamos, nós, os homens!
quando, sozinhos, nos pegamos
a sorver feroz melancolia,
astutas armadilhas do silêncio.

E gritamos! ninguém ouve, mas gritamos!
Esperneamos, encolhemos, blasfemamos
e não adianta, ninguém vê.

Somos nós mesmos mergulhados na fumaça
de um passado acomodado na memória
que proibimos de sair pra ninguém ver.

E como ficamos ridículos!
E como ficamos trêmulos!
E como, à noite, os temores nos assustam.

O que fazem de nós, os temores!
nos chicoteiam, passam a mão na nossa bunda,
nos cospem na cara
e nos chamam de covardes.

E como ficam enormes!
Como se agigantam!
Como dançam cinicamente à nossa frente!
E como corajosos de medo ficamos!
E como levantamos, acendemos a luz,
acendemos o cigarro,
abrimos a cerveja
e madrugada adentro ficamos sós...
Ficamos sós,
nós e nossos temores,
mergulhados na tênue linha dos mortais,
no fumo e no álcool (um procurando o outro)
numa festa macabra e sem final.
(Santos/Sp-00:01hs)

publicado por Antonio Medeiro às 09:33
Terça-feira, 23 / 11 / 10

Inventário

Abri a porta, entrei em casa, acendi a luz e, num passe de mágica, o manto da consciência adormecida saiu de cima de mim.

Olhei em volta e vi em cada parte da casa os sinais do meu suor misturado com o meu sangue.

Coisas que colecionei pela vida, a ferro e fogo.

E fui inventariando:

Sofá: R$ 1000,00 - Televisão: R$ 700,00 - Decodificador da Sky: R$ 348,00 - Rack: R$ 420,00 - Mesa de telefone: R$ 119,00 - Telefone: R$ 137,00 - Celular: R$ 411,00 - Máquina fotográfica: R$ 899,00 - Mesa de centro: R$ 80,00 - Vaso: R$ 43,00 - Jarro: R$ 17,00 - Flores sintéticas: R$ 14,00 - Estatueta: R$ 34,00 - Chapéu: R$ 90,00 - Máquina de datilografia: R$ 131,00 - Computador: R$ 1100,00 - Notebook estragado: R$ 1800,00 - Maleta do notebook: R$ 119,00 - Scanner - R$ 239,00 - Impressora: R$ 250,00 - Porta CD: R$ 59,00 - Aparelho de som: R$ 1300,00 - Mesa de som: R$ 550,00 - Caixas de som: R$ 470,00 - Violão: R$ 180,00 - Violão: R$ 700,00 - Teclado: R$ 710,00 - Suporte do teclado: R$ 62,00 - Microfone: R$ 90,00 - Fone de ouvido: R$ 13,00 - Ventilador: R$ 143,00 - Mesa do computador: R$ 230,00 - Livros: R$ 1330,00 - Mp3: R$ 240,00 - Mesa da sala: R$ 470,00 - Cesta de frutas: R$ 22,00 - Porta-retrato: R$ 45,00 - Guarda-roupa: R$ 850,00 - Colchões: R$ 345,00 - Computador: R$ 1350,00 - Estabilizador: R$ 55,00 - Mesa do computador: R$ 115,00 - Ventilador: R$ 80,00 - Guarda-roupa: R$ 632,00 - Colchões: R$ 244,00 - Porta-jóias: R$ 85,80 - Carrinho de bebê: R$ 453,00 - Ventilador: R$ 80,00 - Guarda-roupa: R$ 327,00 - Cama de Casal: R$ 580,00 - Colchão de casal: R$ - 390,00 - Ventilador: R$ 143,00 - Roupas: R$ 1300,00 - Sapatos - R$ 220,00 - Tênis: R$ 140,00 - Xampu: R$ 12,50 - Condicionador: R$ 14,30 - Cremes: R$ 92,00 - Escova de dente: R$ 18,00 - Pasta de dentes: R$ 6,20 - Armarinho do banheiro: R$ 73,00 - Box - R$ 300,00 - Chuveiro: R$ 29,00 - Remédios em uso: R$ 294,00 - Remédios sem uso: R$ 520,00 - Rede: R$ 120,00 - Cadeira de praia: R$ 40,00 - Banquinho de praia: R$ 18,00 - Mesa de varanda: 42,00 - Cadeiras de varanda: R$ 140,00 - Geladeira: R$ 2500,00 - Fogão: R$ 1500,00 - Bujão de gás: R$ 50,00 - Recipiente de água: R$ 12,00 - Bebedor de água: R$ 330,00 - Armário do bebedor de água: R$ 60,00 - Liquidificador: R$ 220,00 - Batedeira: R$ 439,00 - Espremedor de Laranja: R$ 225,00 - Processador: R$ 42,00 - Microondas: R$ 274,00 - Armário: R$ 239,00 - Panelas de inox: R$ 220,00 - Jogo de facas: R$ 101,00 - Agulha de costurar frango: R$ 2,00 - Utensílios de cozinha: 462,00 - Prateleira: R$ 45,00 - Máquina de lavar roupa: R$ 1100,00 - Transformador: R$ 110,00 - Varal suspenso: R$ 37,00 - Caixa de ferramentas: R$ 27,00 - Ferramentas: R$ 296,00 - Bicicleta - R$ 283,40 - Churrasqueira: R$ 128,30 - Churrasqueira de barro: R$ 12,00 - Espetos: R$ 28,00 - Grelha: R$ 19,00 - Diversos: R$ 847,90.

Mentalmente fiz o balanço dos 'bens' adquiridos vida afora.

Estava tudo ali: milhares de horas de trabalho, sangue, suor, dias sem dormir, preocupações, ansiedade, angústia e um vazio... um vazio profundo.

E me lembrei da chamada publicitária do Mastercard, com quem, por sinal, estou sempre atolado:

Tem coisas que só a Mastercard me dá: o meu status de idiota!!!

Apaguei a luz e fui dormir com a estranha sensação de que eu, um homem moderno, e um burro somos separados apenas por um ínfimo detalhe:

O burro não é eu!!!

publicado por Antonio Medeiro às 08:18
Segunda-feira, 04 / 01 / 10

A 30ª pequena história de um acontecimento

Guarde essa faca
seu moço!
Que a vida já é navalha
ferindo com força
o pescoço.

 

Não faça isso
seu moço!
A faca é afiada
não pensa
só cava o poço.

 

O poço é fundo
seu moço!
É carne
é sangue
é osso
é vida que se consome
por nada
só por desgosto.

.
TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Quarta-feira, 03 / 12 / 08

O ACONTECIDO

Poemas escolhidos

 

Pássaro na mão
estampido no espaço
corpo no chão
sangue no aço.

 

Nos olhos do pássaro
um mormaço
a caminho do infinito
o carrasco.

.
TõeRoberto-09:14-post in jampa/pb

música: For Once In My Life - Ally Mcbeal
publicado por Antonio Medeiro às 04:40
Quinta-feira, 13 / 11 / 08

O 1º CANTO

Poemas Escolhidos

 

Não serei eu na certa aquele que estancará
teu sangue
nem terá o nome universalizado
estátua em praça pública
o nome batizando rua.

 

Não serei eu também aquele que dominará os mares
com caravelas de aço, canhões atômicos
na proa
nem serei eu tampouco aquele que trairá e te fará
caminhar na prancha
rumo aos dentes vorazes do tubarão.

 

Acima de tudo sei que não serei nada mas
que serei eu
quem haverão de consagrar numa história de criança
à beira da fogueira dos meus avós
à beira do berço dos meus netos
porque aquilo que anda, pensa, respira, vive
e é individual
tem o seu valor metafísico no seu modo de ser
sem ser
no seu modo de não ser e ser.

 

E eu sei que sou alguma coisa que sempre existirá
e se fará existir apesar de todas as reinantes
contradições
e se fará conhecer apesar de todo o angustiante
anonimato
e se fará ressuscitar dessa antiga morte
no fundo das cavernas do medo
porque acima de todos os materialismos existe o eu
acima de todo o desafio dos meus bichos inimigos
existe o eu
acima de todos existo eu
e eu acontecerei para o mundo
mesmo não sendo nada acontecerei
porque o meu valor é algo inatingível
o meu mistério é o fim de todas as procuras
o meu lirismo é o supremo porvir da criatura.

 

E eu acontecerei
com toda a força que me negaram
com toda a chance que me roubaram
com toda a imbecilidade que me cerca
porque eu não sou lindo diante do espelho
mas sou bonito pelas noites de meditação
por isto sou e trago em mim
como a mais antiga herança
como a mais antiga vingança
como a mais antiga marca de fogo
na pele do animal.

.
(Fonte: Poema - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB

música: La Mia Vita - Adamo
publicado por Antonio Medeiro às 03:19
Blog de TõeRoberto

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