Homens&Pássaros

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Terça-feira, 04 / 08 / 09

O MEU AMIGO MARCO PIETRAGALLA

Há tempos atrás escrevi um poema dedicado ao meu amigo Marco Antônio Pietragalla:

Assim:

 

Busquei em vão
a explicação do ato.

 

Julguei-me vivo
por questão de medo.

 

Amei a morte
por mero disfarce.

 

Pulsei as veias
pra matar suspeitas.

 

Brilhei os olhos
pra fingir-me claro.

 

Movi os lábios
pra fazer-me lindo.

 

Amei o intacto
pra fugir da briga.

 

Forjei o enredo
do malabarista.

 

Subi na corda
fui um mau artista.

 

Como se fosse ontem.

Outro dia, o poema veio-me na memória e bateu aquela angústia destinada às perdas que acumulamos pela vida afora.

14 anos sem Marquito! É muito tempo, pensei!

Mexi daqui, mexi dali e o encontrei. Encontrei, me comuniquei e começamos a colocar as lembranças em dia.

Amigos há 27 anos, sobrevoamos por noites intermináveis a noite de São Paulo.

Intelectuais - ele, de verdade - eu, de aparecido - debatíamos nas mesas dos bares nossas visões de mundo - intelectualmente diferentes, humanamente iguais.

E vivíamos, numa época ainda romântica de São Paulo, a nossa boêmia etilicamente poética, filosoficamente ébria.

A noite cantava:

"E por falar em saudade
onde onda você
onde..."

E Marco saía com o seu 'bolsão' de couro, sua eterna calça jeans - como a minha - à procura do caminho de casa, muitas vezes batendo o dedo indicador contra o dedão, depois de uma conversa que o empolgara.

E lá ia Marco fazendo os seus zig-zags pela noite longínqua da cidade adormecida na minha memória.

Marco Antônio Pietragalla foi, na acepção da palavra, um 'Marco' em minha vida.

Foi de vital importância para mim, numa época difícil.

Foi a mão que o destino empresta.

E atravessamos décadas.

E estamos vivos! Distantes, mais vivos!

Isto emociona e grita no fundo da alma: Estamos vivos! Mais vivos do que nunca!

Parem tudo!

Pra mim hoje é dia de festa!

Uma salva de fogos.

Reencontrar um amigo é um fato extraordinário: num mundo de solitários, rei é quem tem um amigo.

Um grande abraço para o meu amigo Marco Antônio Pietragalla.

.

TõeRoberto-post in jampa/pb

música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Terça-feira, 12 / 05 / 09

CEGA

Só pra registrar!

Conheci uma cega - daquelas de olhos brancos, assustadores.

Sinistra! Chata! Assustadora! Uma personagem dos sonhos de Gabriel Garcia Márquez.

De manhã: eu, na varanda, lendo em silêncio - a cega passa na rua.

Cumprimenta e pergunta: "Bom-dia!... Que horas tem aí, moço?"

Arrepios!

Meio-dia: aquele baita sol - a rua deserta - eu, de tênis, descendo a rua - a cega subindo a rua.

A uns 30ms dela atravesso a rua para entrar no colégio.

Vocifera: "Não precisa atravessar a rua pra não passar perto de mim!"

Corri pra dentro do colégio.

Arrepios!

À tarde: a cega vindo pela rua, um pé de chuchu sobre o muro - alguns chuchus pendurados.

A cega levanta a bengala, localiza o chuchu e o apanha.

Arrepios!

Subia no ônibus, ia a São Paulo, descia sozinha, fazia o que tinha que fazer e voltava pra Minas.

300 Kms!

Arrepios!

Uma cega sinistra.

Hoje eu sei: a cega foi a pessoa que mais enxergava que eu conheci em toda a minha vida.

Eu, com meus dois olhos vivos, fui o cego absoluto - o cego que não enxergou a surrealista visão da cega.

Os dois olhos dos meus olhos estão brancos.

Arrepios!
.
TõeRoberto-post in férias por aí/br

música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Domingo, 14 / 12 / 08

OS INVASORES

Textos Escolhidos

 

Anteontem escrevi o texto "O PERIGO", uma brincadeira com as pessoas pessimistas.

Recebi um elogio da amiga Fernanda, de São Paulo.

E recebi, do Primo Clovinel, um comentário que poderia muito bem ser a seqüência do meu texto, a partir de: "você está em casa tranqüilo, alegre, descontraído, pensando na vida, quando de repente..."

O comentário:

[Primo Clovinel] - "Home, seu minino! A rua é isso mesmo! Mas em casa é tudo tranqüilo! Tirante a família da casa em frente que resolveu adotar os netos (3) pirracentos, irmãos solteirões brigões e um filho com problemas mentais com inclinações musicais (assobia uma melodia desconhecida o tempo todo). Tirante a filha aborrecente da vizinha de baixo que, coitada, deve ter problemas auditivos pois não sabe falar a menos de 120 decibéis e faz questão de reunir sua turminha na frente da minha casa. Tirante o vizinho de cima, que tem um filho de cerca de 10 anos, aparentemente autista, que fica gritando e batendo objetos ao ser contrariado por qualquer coisa. Tirante pessoas que chamam à porta pedindo remédio pro filho com uma doença rara. Tirante o coletor de lixo que derruba o lixo do vizinho na sua porta por que ele é pão-duro e não embala seus detritos em algo seguro e decente, mas em sacolinhas de supermercado. Tirante o vendedor de plantas, de mel de não sei de onde, de panelas, de tapetes... Tirante... 16:29"

É, Primo Clovinel, numa cidade como São Paulo tirante pessoas civilizadas, educadas, conscientes, de bom senso, a vida tornou-se, realmente, um verdadeiro inferno. Não há limites para a invasão de privacidade. Pessoas fazem do fora das suas casas o seu quintal planetário.

Tirante os sons altíssimos dos carros com alto-falantes potentíssimos, dos equipamentos de sons caseiros, das tvs, dos cultos de muitas igrejas que gritam a céu aberto para o mundo inteiro escutar.

Tirante as brigas, os furadores de filas, a sujeira, os carros em cima das calçadas, os carros em fila dupla, as encheções de saco, as opiniões não solicitadas.

Tirante as piadinhas de mau gosto, as "conversinhas" fora de hora, as maledicências. Tirante todas essas coisas que são feitas no nosso quintal, na nossa cara, a vida até que é razoável, nos limites do nosso lar.

Tirante, ainda, os casos mais drásticos que incluem roubo da sua energia, da sua água, da sua tv paga, da gasolina do seu carro, a vida até que chega a ser tranqüila.

Tirante, enfim, os folgados que infernizam as nossas vidas, podemos até nos considerar pessoas otimistas e felizes, pois temos uma vantagem muito grande sobre eles: somos seres humanos civilizados, nós fazemos as nossas necessidades no banheiro, não na varanda da casa deles.

Tá dito!!!
.
TõeRoberto-10:17-post in jampa/pb

música: Uma Brasileira - Paralamas do Sucesso&Djavan
publicado por Antonio Medeiro às 06:41
Sábado, 06 / 12 / 08

O MEU AMIGO LOURENÇO

Textos Escolhidos

 

"Ando devagar
porque já tive pressa
e levo esse sorriso
porque já chorei demais.

 

Hoje me sinto mais forte
mais feliz, quem sabe,
eu só levo a certeza
de que muito pouco sei.
Eu nada sei..."

 

A música de Almir Sater pegou-me de surpresa... e veio-me à lembrança o meu amigo Lourenço.

Ele se foi num Dezembro, moço, no auge da vida e dos sonhos.

Muitas coisas tinha ainda a fazer: criar as filhas, mudar-se para Natal, aprender a tocar viola, ascender profissionalmente, fazer pizzas maravilhosas, muitos... muitos churrascos deliciosos.... macarronadas italianíssimas e ... onde eu estivesse, passar as férias em minha casa.

Saudades!

Amava viajar, principalmente para o Nordeste.

Grandão, boca-dura, agitador, falador, bravo, comilão, malcriado... ITALIANO!!!

Tudo de mentirinha: A boca era de leão; as mãos" desse tamanhão"!; mas o coração de passarinho, as asas de borboleta, a ingenuidade de criança.

Ele era uma criança!

Só não era perfeito porque, infelizmente, tinha 03 grandes defeitos: era Corintiano, gostava da Antarctica de São Paulo e fazia café muito forte.

Em relação à cerveja dizia: "é cerveja de macho, feita com a água do Tietê!"

Tínhamos uma história juntos: risos, choros, doenças, culinária, música, cerveja, piadas... horas e horas de risos, tirando sarro dos outros.

Numa época ruim da minha vida, foi meu companheiro inseparável.

Os filhos crescerem juntos, as mulheres fofocaram juntas, os cachorros viveram juntos, os amigos, todos , em comum.

Uma pena! A vida nem sempre é justa! Mas acho que pra ele foi tudo bem: era um grande otimista.

Viveu pouco, mas com intensidade suficiente para somar 100 anos.

Era do tipo de pessoa que, hoje, está em extinção.

A música flutua e.... dói!

Um minuto de silêncio, por favor!

(...)

"Todo mundo ama um dia,
todo mundo chora,
um dia a gente chega
e no outro vai embora.

 

Cada um de nós compõe
a sua história
e cada ser em si
carrega o dom de ser capaz,
de ser feliz..."

.
TõeRoberto-10:05-oist ub jampa/pb

música: Ando Devagar - Almir Sater
publicado por Antonio Medeiro às 05:58
Quarta-feira, 12 / 11 / 08

O ELEVADOR

Textos Escolhidos

 

Nasci mineiro, mineiro me criei!

Em Minas, quando a gente entrava na escola, a sentença nos era dada logo na primeira série:"cresce, meu fio, estude bastante pra, quando crescê, ir imbora trabaiá em São Paulo!"

Mineiro crescia com esta sina.

Assim foi!

O primeiro contato de um caipira com São Paulo é assustador: buzinas, gente, estranhos, olhos ardendo, falta de educação, movimento, escada rolante, verticalidade, medo... elevadores.

Não foi diferente comigo!

A cidade me engoliu e me reeducou para ela.

Segunda-feira - 08 da manhã - hora do rush: carros, ônibus, passeios, lanchonetes, prédios, escadas, escadas rolantes, elevadores... tudo cheio de gente!

Fulltime era o nome da empresa de empregos temporários.

Endereço: Praça D. José Gaspar, nº Y - 11º andar - Centro - São Paulo.

Entro no elevador abarrotado de gente e, ingenuamente, pergunto:

Eu: passa no 11º andar?

Ascensorista: - olhou para mim, olhou para as pessoas, olhou novamente para mim - "Não, não passa! O elevador vai até o 10º andar, depois sai pela janela do prédio, pula o 11º, volta novamente pela janela, entra no 12º e aí continua até o 15º que é o último andar!"

Risos!

Fiquei vermelho e, desde então, passei a respeitar o mau humor dos paulistanos, nas segundas-feiras.

É um fato: mineiro, em São Paulo, aprendia na porrada.

Bons tempos aqueles!
.
(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB

música: Sampa - Caetano Veloso
publicado por Antonio Medeiro às 05:05
Segunda-feira, 13 / 10 / 08

REPRESSÃO, LAZER E ARTE

Textos Escolhidos

 

Eu vi!

Tá aqui na memória!

Rua Direita, São Paulo, 04:30 da manhã; garoinha paulista, fina - fria!

Rua deserta, molhada; as luzes refletidas no chão - silêncio!

Eu, solitário, apreensivo, caminhando para o metrô; somente o som seco dos meus passos, na rua.

Tac! Tac! Tac! Tac!: o som dos passos na noite.

No sentido oposto, cena inusitada.

No espanto do momento pensei em máquina fotográfica, mas, hoje, cheguei à conclusão: a melhor foto é a que fica na memória; podemos mudá-la, pela vida afora, de acordo com nossa conveniência.

Ela, na nossa memória, não envelhece nunca como acontece com as fotos da kodak.

No sentido oposto vi dois policiais conduzindo um bêbado: cada um deles segurando firmemente um dos braços do coitado.

O policial da esquerda segurava o braço esquerdo do personagem com a mão direita e levava na mão esquerda... acreditem!, uma garrafa de cachaça Tatuzinho.

O policial da direita segurava o braço direito do personagem com a mão esquerda e levava na mão direita... acreditem!, um Violão.

Cruzei com a cena surrealista em silêncio... eram tempos difíceis!

E quase que, absurdamente, só por ser poeta aplaudi, já que o momento me deixou com a sensibilidade à flor da pele.

Na rua: tac! tac! tac! tac! tac! tac!

Repressão, lazer e arte se fundiam no reflexo molhado da melancolia da Rua Direita e suas luzes indiferentes.

Eu vi!

E me deu uma saudade danada de Chaplin!
.
(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB
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música: Ronda - Tânia Alves
publicado por Antonio Medeiro às 04:54
Sexta-feira, 03 / 10 / 08

TÉDIO

Textos Escolhidos

 

Minha filha e meu genro postiços (eu os chamo de postiços porque ela é filha de minha mulher) passaram as férias na nossa casa.

Paulistanos da nata, são duas figuras extremamente interessantes:vivos, alegres, bem-humorados e puxando um pouquinho o saco: gente boa mesmo!

Adoram o nordeste: história, sol, praias, paisagens, gastronomia.

São incansáveis em relação a isto.

Um de nossos passeios - Bahia da Traição - lugar lindíssimo: ao entrarmos na vila meu genro postiço observou: "que tédio tem este lugar!"

Parei, prestei atenção e concluí: que tédio tem este lugar!

10 horas da manhã, ninguém na rua!

A gente passava pra lá: um moleque coçando a pereba; uma mulher, na janela, com a mão no rosto; um homem pitando um cigarro.

A gente passava pra cá: o moleque coçando a pereba; a mulher, na janela, com a mão no rosto; o homem pitando um cigarro.

Assim mesmo!, fora os que não faziam nada.

Então brinquei com meu genro postiço: É!, tu em São Paulo tem uma bela vida de idiota e este povo aqui tem uma idiota de vida bela.

Rimos!

Foram embora; eu, com saudades, pensei:

Por que perdemos nossa identidade com a paz?

Por que temos que correr?

Por que tudo tem que ser para ontem?

Por que a paz é tão entediante?

Não somos mais produtivos na paz do que na guerra?

Enfim, é um assunto comprido pra se tratar aqui, mas acho que a sensação de tédio das pessoas das cidades tem tudo a ver com o monstro moderno que as escraviza: o consumismo.

Disse Drummond: "no elevador eu penso na roça, na roça penso no elevador."

E, repetindo o poeta maior - tanto quando estou em são Paulo ou na Bahia da Traição - só tenho uma coisa a dizer:

"ETA VIDA BESTA, MEU DEUS!"
.
(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB
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música: Ponta De Areia - Milton Nascimento
publicado por Antonio Medeiro às 05:05
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