Homens&Pássaros

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Terça-feira, 19 / 10 / 10

Os 'cumpadi'

A história corria à boca miúda; anos 60 ou 70 - não importa - num vilarejo em Minas Gerais.

Cumpadi Zé, marido de cumadi Maria - roceiro, sitiante - cumpadi de cumpadi João, marido de cumadi Maria.

Cumpadi de beber, pitar, pescar e caçar juntos. De tocar plantio de milho, de fazer colheita de arroz, de capar porco, fazer pamonha, tocar mutirão um do outro.

Cumpadi Zé e cumpadi João, unha e carne um com outro. Assim também cumadi Maria com cumadi Maria.

Porém, sem mais nem menos - contam - cumpadi Zé descobriu que cumpadi João estava ciscando no seu galinheiro, estava macheando com a cumadi Maria dele - Zé.

Nem um pio! Dali pra frente começou a discutir com Maria o futuro dos seus três filhos. Preocupação com o que vinha pela frente: guerra, morte, doença, geada, seca... com o governo.

Convenceu Maria a vender primeiro a casa, depois uma rocinha que tinha lá pras bandas da Cachoeira, depois um terreninho no Bom Jesus, um outro pedacinho de terra perto dos Pinducas e, por último, o sítio com tudo que tinha dentro.

Terminado o assunto dos bens, convidou, num domingo, cumpadi João, sozinho, pra almoçar em sua casa.

Almoço farto: arroz, feijão, frango, quiabo, angu, pimenta - aquela cachacinha, boas risadas, um queijinho com goiabada de sobremesa - aquele cafezinho mineiro gostoso.

Terminado o almoço, disse ao cumpadi João:

Bem cumpadi, sabe cumo é qu'é! Tô sabeno qui o cumpadi faiz gosto pur minha muié, Maria.

Cumpadi!!!

Sacou o 38 e disse: Puis tá tudo certo! Vosmecê tire a ropa! E ocê tamém, Maria.

Cê tá loco, Zé! O cumpadi tá aqui!

Tire a ropa, muié! O cumpadi tá cum o zóio vidrado de tanto vê seus quartos!

Tiradas as roupas, ele disse:

Agora, Maria, ocê bota o braço na escadera do cumpadi e o cumpadi bota o braço no seu cangote.

Assim fez: revólver em punho - meio-dia - a pracinha do coreto cheia de gente- cumpadi João e cumadi Maria pelados na frente - abraçados - ele atrás.

Gente pra dar com pau!

Deu 03 voltas na praça - cabeça erguida - atravessou a rua e bateu na porta da casa de cumpadi João.

Cumadi Maria atendeu: quase teve um troço quando viu a cena.

Agora cumadi Maria - disse ele - a Maria vai morá nessa casa cum vosmecê e cumpadi João. Bote os dois pra dentro, feche a porta e...

Dali pra frente ninguém conta, mas dizem: cumpadi Zé ficou famoso pela malvadeza e cumpadi João pelas Marias.

É o que dizem!

publicado por Antonio Medeiro às 10:06
Segunda-feira, 14 / 12 / 09

O menino

Era uma vez um menino que nasceu em Minas Gerais.

Adorava cinema, livros e circo.

Grande sonhador!

Assistia aos espetáculos circenses por baixo da lona.

Amava o palhaço, o ilusionista, a bailarina e o equilibrista... amava o circo inteiro!

Mas gostava mesmo era de ler as placas dos caminhões que transportavam o circo: Aracaju, São Paulo, Adamantina, Sumaré, Santos, Belo Horizonte, Cabobró, Sobradinho, Remanso, Juazeiro, Sobral, Recife, Caicó, Linhares, Campos, Cuiabá, Guaranésia, Eunápolis, Ilhéus, Tibau do Sul, Cássia, Olinda, João Pessoa...

Lugares!... Imaginava os longes, as distâncias... os lugares nos mapas.

Sonhava fugir com o circo, pegar uma estrada comprida, uma estrada sem fim... uma estrada para o infinito... um enredo para a sua vida.

Cresceu, não fugiu com o circo, mas caiu na estrada.

Hoje, 55 anos, caminha pela estrada sem fim... a caminho do infinito - o enredo da sua vida ainda sendo escrito.

Acredita que o sonho sonhado está em pleno sonhar e tudo se encaixa perfeitamente nos limites do encantamento da sua vida.

Vez em quando se lembra do circo e, hoje, tem certeza que os personagens mais importantes do circo da sua infância eram o palhaço e o equilibrista.

Afinal de contas, as profissões da sua vida!

De resto, a estrada continua sem fim, o seu enredo ainda está longe de terminar e o circo dorme, em silêncio, no profundo da sua memória de criança.

Era uma vez um menino que sonhava fugir com o circo e caminhar por uma estrada infinita.

Era uma vez um menino que cresceu, fez da sua vida um circo e nunca mais saiu da estrada sem fim.

Era uma vez...

.
TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Quinta-feira, 03 / 09 / 09

A doada

Só pra registrar!

Ano: 1930 e alguma coisa.

Palco: Uma fazenda, em Minas Gerais.

Cena: Uma mulher, em agonia, parindo.

Resultado: Morrem mãe e filho.

Homem, desde que o mundo é mundo, sempre pensa com a cabeça errada. O marido não foi exceção.

Colocou dentro de casa uma mulher jovem, bonita e....

Consequências: a irmã mais velha, queimada; a do meio, pernas fraturadas; a mais nova, marcas das belas unhas da madrasta pelo corpo inteiro.

Numa época x, de comportamento y, as três irmãs foram tipo doadas - na acepção da palavra - para as irmãs do fazendeiro.

Duas tiveram um pouco mais de sorte; a mais velha, não.

Com 06 anos sentiu a dor do trabalho pesado. Enfiada no trabalho da casa: ama-seca de meninos maiores que ela, faxineira, lavadeira, passadeira, cozinheira e tudo o mais. E algumas coisas bem mais humilhantes que lavar latrinas: tipo escovar os cabelos da sua "patroa".

Analfabeta entrou/analfabeta saiu; com a roupa do corpo entrou/com a roupa do corpo saiu quando deixou de trabalhar para a sua "patroa" depois de 40 ou 50 anos de trabalho duro.

Cruel, egoísta, dissimulada, desprovida de piedade, amor, carinho, solidariedade: assim era sua "patroa".

Uma mulher que escondia comida dos próprios filhos.

Escondia tanto que a comida se perdia: enfiava maçãs, peras, uvas, pêssegos dentro dos guarda-roupas e gavetas e esquecia. Lá ficavam: na limpeza, achavam montes e montes de frutas podres.

A avareza era tanto que não permitia coisas boas nem para ela.

A única pessoa que conheci que não gostava de música.

O assunto é longo. Dez romances no mínimo.

Mas ela se foi - me lembro quando se foi.

Disse, no leito de morte, que ninguém gostava dela. A única vez que foi sábia na vida.

Pessoas desse tipo precisam de muito amor e carinho. São pessoas mal-amadas. Crianças que tiveram uma infância muito infeliz. Disciplina rígida e educação voltada para o egoísmo absoluto.

Este tipo de gente ainda existe.

Um conselho: se elas forem adultas, fique longe delas; não são boas companhias.

Como eu disse: só pra registrar!

.
TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Segunda-feira, 19 / 01 / 09

APRENDIZ

Textos Escolhidos

 

Aguardando atendimento na farmácia, passei os olhos pelas prateleiras, caixas, atendentes e me lembrei do tempo em que eu era aprendiz... aprendiz de farmácia!

Seu João Biela era o nome do farmacêutico. A Farmácia: Sant'Anna. Minas Gerais.

Ô tempo difícil! 10, 12 anos, pequeno, frágil, miúdo.

Os pedidos de remédios chegavam pela saudosa Mogiana. Lá no outro topo da cidade.

Explico: tô aqui no topo da cidade; ele é alto. A estação de trem é no outro topo; isso é, tenho que sair daqui empurrando um velho carrinho de madeira, descer uma senhora ladeira, subir uma longa subida, chegar à estação, pegar uma caixa de remédio, pesada pra burro, colocar no carrinho e fazer o caminho inverso.

Ô fraqueza!, embaixo daquele sol escaldante.

E o catálogo?... Meus Deus!!!

O catálogo era um livro do 'arco-da-velha', com todos os nomes de remédios do mundo.

O nome do remédio e, na frente, os preços escritos a lápis.

Abria a caixa grande, abria as caixas menores, conferia o pedido e começava um trampo que é muito comum no inferno: apagar aqueles valores escritos a lápis por mais de 10 anos, num papel todo puído, e anotar os novos valores dos remédios. E eram centenas!

Arghhhh!!!

Os vidros roxos eram mais interessantes. Com eles me transformei em Merlim e fiz muitas bruxarias: pomada de óleo de fígado de bacalhau, xaropes para tosse, unguentos para feridas, poções para manchas na pele, alívio para infecções, unheiros, ferimentos e inchaços.

A química nas mãos das pessoas comuns, dos leigos.

O melhor do aprendizado: aprender a aplicar injeções nos braços de Maria, a senhora mulata, a empregada da família.

Era a cobaia dos aprendizes. E dava risadas!

Não me tornei um farmacêutico, mas aprendi coisas e valores que trago comigo até hoje.

Por exemplo: farmácias, hoje, são um perigo para a saúde pública.

Tome muito cuidado com elas!
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TõeRoberto-post in jampa/pb

música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Blog de TõeRoberto

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