Textos Escolhidos
Aguardando atendimento na farmácia, passei os olhos pelas prateleiras, caixas, atendentes e me lembrei do tempo em que eu era aprendiz... aprendiz de farmácia!
Seu João Biela era o nome do farmacêutico. A Farmácia: Sant'Anna. Minas Gerais.
Ô tempo difícil! 10, 12 anos, pequeno, frágil, miúdo.
Os pedidos de remédios chegavam pela saudosa Mogiana. Lá no outro topo da cidade.
Explico: tô aqui no topo da cidade; ele é alto. A estação de trem é no outro topo; isso é, tenho que sair daqui empurrando um velho carrinho de madeira, descer uma senhora ladeira, subir uma longa subida, chegar à estação, pegar uma caixa de remédio, pesada pra burro, colocar no carrinho e fazer o caminho inverso.
Ô fraqueza!, embaixo daquele sol escaldante.
E o catálogo?... Meus Deus!!!
O catálogo era um livro do 'arco-da-velha', com todos os nomes de remédios do mundo.
O nome do remédio e, na frente, os preços escritos a lápis.
Abria a caixa grande, abria as caixas menores, conferia o pedido e começava um trampo que é muito comum no inferno: apagar aqueles valores escritos a lápis por mais de 10 anos, num papel todo puído, e anotar os novos valores dos remédios. E eram centenas!
Arghhhh!!!
Os vidros roxos eram mais interessantes. Com eles me transformei em Merlim e fiz muitas bruxarias: pomada de óleo de fígado de bacalhau, xaropes para tosse, unguentos para feridas, poções para manchas na pele, alívio para infecções, unheiros, ferimentos e inchaços.
A química nas mãos das pessoas comuns, dos leigos.
O melhor do aprendizado: aprender a aplicar injeções nos braços de Maria, a senhora mulata, a empregada da família.
Era a cobaia dos aprendizes. E dava risadas!
Não me tornei um farmacêutico, mas aprendi coisas e valores que trago comigo até hoje.
Por exemplo: farmácias, hoje, são um perigo para a saúde pública.
Tome muito cuidado com elas!
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TõeRoberto-post in jampa/pb