Como dividir o tempo do que fomos
com o que pensamos ser,
se entre nós há um lamento
situado e definido
como o concreto das casas,
o brilho fosco do vidro.

Estamos todos perdidos,
estamos todos sem vida,
estamos andando nas ruas
como seres divididos
que pisam o asfalto e a terra
e sujam os pés de um grito.

Giramos,
esvoaçamos,
assentamos
entre o pavor e o gemido
de sermos o que pensamos
e não conseguimos ser,
de sermos o que já fomos,
sem jamais nos convencer,
de que já não somos,
nem seremos,
nem gente,
nem bicho,
nem pedra,
nem nada pra se querer.

O tempo vai apertando
o pouco espaço que resta,
e tudo vai se acabando
com essa ruga na testa,
e tudo vai se perdendo
como o final de uma festa,
na qual não somos nem fomos,
mas toda a sujeira resta,
grudada nos nossos olhos
que brilham,
que choram e se aquietam,
pensando não no que fomos,
mas no que não sermos se apressa.
(Recife/Pe)

publicado por Antonio Medeiro às 13:03