Poemas Escolhidos
Para Eunete T.Nobre, companheira
Chegará um tempo, meu Deus!
que ao coração faltará
o sonho, a graça, o encanto
e tudo se acabará.
Será, então, esse o tempo
das nossas mãos sem afagos
dos nossos lábios sem beijos
do nosso corpo gelado.
Será o tempo dos lírios
nos nossos olhos plantados
perderem folha por folha
sem o úmido de uma lágrima
será o tempo dos sonhos
dos portões semicerrados
das bocas semi-abertas
das visões encarceradas.
Será o tempo das lutas
das nossas duras derrotas
serão os pés sem sapatos
os sentidos sem desejos
a garganta sem um grito
nossa alma sem lampejos.
Virão as línguas amargas
as memórias sem um selo
seremos todos silêncios
todos hirtos, de joelhos
seremos pó de carícias
violências, desesperos
um canto calado, amorfo
passeando, zombeteiro
por sobre as peles rasgadas
pela farpa dos anseios.
Seremos todos julgados
apontados, prisioneiros
das poucas, vagas lembranças
de um tempo que não veio
de um tempo bom, sonhado
que ficou no pesadelo.
Seremos todos frutos
do reflexo desse espelho
puras imagens sem vida
debatendo-se, alheios
a todo forma de sonho
esquecida por inteiro
no silêncio das esquinas
no escuro das cadeias.
Será, então, nesse tempo
que virão os cativeiros
dos nossos braços feridos
pernas, dentes, sobrancelhas
dos nossos gritos contidos
nas notícias dos correios
que trarão de alguma época
que não se foi e nem veio
um pouco do que pensávamos
que éramos, por desespero
nalguma cidade antiga
uma presença inteira
um riso que se casava
com os meninos arteiros
que éramos nós e os nossos
nos mirando no espelho
de um tempo que foi ausência
foi resíduo, foi um medo
de um tempo que já chegara
nas janelas, nos artelhos
e nós, meu Deus, não sentíamos
dentro da alma este gelo!
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TõeRoberto-09:20-post in jampa/pb