Homens&Pássaros

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Quinta-feira, 10 / 03 / 11

Porto Seguro II

A poesia, na noite,
ronda a vida
como um animal acuado.

Ouço, com medo,
em silêncio,
o seu caminhar lá fora.

O coração, história nenhuma,
contenta-se em gemer
ao ritmo do rugido da fera.

E tudo é uma história,
um sentido incrustado nos ossos,
um sono de dormir noite nenhuma,
um perder-se na noite dos tempos,
um derramar-se sem abraços
no final da grande farsa.
(Eunápolis/Ba/06:15hs)

publicado por Antonio Medeiro às 10:33
Terça-feira, 19 / 10 / 10

Os 'cumpadi'

A história corria à boca miúda; anos 60 ou 70 - não importa - num vilarejo em Minas Gerais.

Cumpadi Zé, marido de cumadi Maria - roceiro, sitiante - cumpadi de cumpadi João, marido de cumadi Maria.

Cumpadi de beber, pitar, pescar e caçar juntos. De tocar plantio de milho, de fazer colheita de arroz, de capar porco, fazer pamonha, tocar mutirão um do outro.

Cumpadi Zé e cumpadi João, unha e carne um com outro. Assim também cumadi Maria com cumadi Maria.

Porém, sem mais nem menos - contam - cumpadi Zé descobriu que cumpadi João estava ciscando no seu galinheiro, estava macheando com a cumadi Maria dele - Zé.

Nem um pio! Dali pra frente começou a discutir com Maria o futuro dos seus três filhos. Preocupação com o que vinha pela frente: guerra, morte, doença, geada, seca... com o governo.

Convenceu Maria a vender primeiro a casa, depois uma rocinha que tinha lá pras bandas da Cachoeira, depois um terreninho no Bom Jesus, um outro pedacinho de terra perto dos Pinducas e, por último, o sítio com tudo que tinha dentro.

Terminado o assunto dos bens, convidou, num domingo, cumpadi João, sozinho, pra almoçar em sua casa.

Almoço farto: arroz, feijão, frango, quiabo, angu, pimenta - aquela cachacinha, boas risadas, um queijinho com goiabada de sobremesa - aquele cafezinho mineiro gostoso.

Terminado o almoço, disse ao cumpadi João:

Bem cumpadi, sabe cumo é qu'é! Tô sabeno qui o cumpadi faiz gosto pur minha muié, Maria.

Cumpadi!!!

Sacou o 38 e disse: Puis tá tudo certo! Vosmecê tire a ropa! E ocê tamém, Maria.

Cê tá loco, Zé! O cumpadi tá aqui!

Tire a ropa, muié! O cumpadi tá cum o zóio vidrado de tanto vê seus quartos!

Tiradas as roupas, ele disse:

Agora, Maria, ocê bota o braço na escadera do cumpadi e o cumpadi bota o braço no seu cangote.

Assim fez: revólver em punho - meio-dia - a pracinha do coreto cheia de gente- cumpadi João e cumadi Maria pelados na frente - abraçados - ele atrás.

Gente pra dar com pau!

Deu 03 voltas na praça - cabeça erguida - atravessou a rua e bateu na porta da casa de cumpadi João.

Cumadi Maria atendeu: quase teve um troço quando viu a cena.

Agora cumadi Maria - disse ele - a Maria vai morá nessa casa cum vosmecê e cumpadi João. Bote os dois pra dentro, feche a porta e...

Dali pra frente ninguém conta, mas dizem: cumpadi Zé ficou famoso pela malvadeza e cumpadi João pelas Marias.

É o que dizem!

publicado por Antonio Medeiro às 10:06
Terça-feira, 07 / 09 / 10

Histórias nenhumas

Não há sentimento mais vazio
que o vestir-se do drama
de uma história de ausências
de uma ausência sem histórias.

Do que ver pelas janelas
aqueles pedaços de vida
sozinhos pelos desertos
desfilando seus horrores.

Uma história nenhuma
com muitas histórias nenhumas
numa vida nenhuma
sem nenhum amanhecer.

Não há sentido de mundo
há um rastro invisível
de completa escuridão
permeado por abutres.

Não há nascer ou dormir
não há morrer ou acordar
existe um estado líquido
entre o não estar e o estar.

Não há história nenhuma
nas páginas dos jornais
não existe vida em jogo
nem homem para chorar.

A noite do homem sem história
avança, patética, a clarear
o sonho que não foi sonhado
porque não há mais nada a sonhar.
(Eunápolis/BA/09:38hs)

publicado por Antonio Medeiro às 10:41
Terça-feira, 06 / 04 / 10

Minhas memórias

Seu eu fosse um país, diria: estão destruindo as minhas memórias.

Sem brincadeira!

Esta semana dei uma volta por Olinda/PE e fiquei chocado.

Morador que fui de Olinda por quase 05 anos, calcei o meu chinelão de couro e fui atrás das minhas memórias: praças, barracas de praia, restaurantes, bares... pessoas.

Tudo acabado!

Procurei pela Barraca de Tia Amélia, nada!

Procurei pelo meu Chambaril preferido, sumiu!

O meu Queijo de Coalho, já era!

Minhas Agulhinhas Brancas, tchau!

A Fritada de Aratu, nem sinal!

O Caldinho do Esquina 90, evaporou!

Os Ovinhos de Codorna do Ceará, já eram!

O Bar da Buchadinha, beleléu!

Um resíduo do Bar Calamengau, graxa!... graxa!... graxa!...

Alguns amigos: mortos, ausentes, sumidos... desconhecidos!

O mais chocante foi a ausência do Bar mais importante de Olinda, no período que lá morei: O Xinxim Da Bahia, do meu amigo Élcio - o popular Xinxim.

Lá saboreávamos, além da presença sempre especial de Xinxim, uma boa Feijoada, um excelente Acarajé, um maravilhoso Cupim, um Cozido honesto, uma Cervejinha gelada... e um ambiente sempre agradável.

Tudo se foi.

No lugar, uma casa e um silêncio histórico.

Não me sobraram referências em Olinda.

Sou um país de quem extirparam um pedaço.

O mundo gira depressa demais pro meu gosto.

As coisas nascem e morrem, nascem e morrem, nascem e morrem, nascem e...

E nós ficamos atônitos, perdidos na ilha deserta da solidão humana.

Preciso preservar a minha história, senão, quando eu me for, vão me procurar pelas ruas por onde andei e não vão encontrar nem um rastro da minha presença na terra.

E eu não terei existido!

publicado por Antonio Medeiro às 08:32
Sexta-feira, 20 / 11 / 09

A história

Era uma vez uma história que se recusava a ser escrita.

O escritor ia pra esquerda - ela, direita; queria sol - ela, chuva; ele, quente - ela, frio; ele, alegria - ela, tristeza.

O escritor iniciava um épico - ela, tragédia; um romance - ela, drama; uma poesia - ela, conto; uma crônica - ela, carta; um elogio - ela, crítica.

Era uma história camaleão.

O escritor, Palmeiras; ela, Corinthians.

O governo é; ela, não é.

O Brasil, uma beleza; ela, uma merda.

Os políticos estão; ela, não estão.

O forró; o samba.

O Nordeste; o Sudeste.

A morena; a loira.

Era uma história geniosa que queria escrever a sua própria história.

Tento convencê-la que no Brasil ninguém consegue escrever a sua própria história, sempre acontece algo que nos desvia da nossa história.

Mas ela não quer saber: ecologia, nem pensar!; miséria, nunca!; corrupção, não!; amor, eca!; esporte, argh!; isto, cansada!; aquilo, cansada! cansada!; aqueloutro, cansada! cansada! cansada!

Escorrega pra lá, pra cá e vai esvaziando todas as minhas possibilidades.

Começo de novo: Era uma vez...

Nada, silêncio absoluto!

A história se esconde atrás da sua ausência definitiva.

Desisto!

Nada de história, nada de nada!

Tudo vazio!

Só posso dizer....

Era uma vez...

Uma história que se recusou a ser escrita.

Era uma vez!

.
TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Quinta-feira, 08 / 01 / 09

A 9ª PEQUENA HISTÓRIA DE AMOR

Poemas Escolhidos

 

Eu vou
mas logo volto
disse o amado à amada:

E nem olhou para trás
o malvado!
.
TõeRoberto10:187-post in jampa/pb

música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Quarta-feira, 10 / 12 / 08

A FILA

Textos Escolhidos

 

Remexendo nos meus papéis antigos deparei com uma anotação minha, de 30 anos atrás: "Escrever um conto sobre "A Fila".

Parei, pensei o porquê e me lembrei do fato.

A história:

A história se deu bem antes da anotação. Menino, em Guaranésia... 14, 15 anos (naquela época adolescente ainda era menino), a diversão, à noite, até  22 horas, era o "Foot" - nem sei se é assim que se escreve.

Explico o "Foot":

Praça grande, jardim, endereço da igreja matriz, o "Foot" consistia no seguinte: pelo passeio, as mulheres davam voltas para a esquerda, os homens para a direita.

O "Foot" era um evento social de grande importância na comunidade. Acontecia todos os dias, principalmente nos finais de semana.

Ali nasciam amizades, namoros, casamentos e, na pior das hipóteses... meninos!

Uma noite, num sábado, acho que pra fazer gracinha para as meninas, eu e mais dois amigos cismamos de andar em fila, na hora do rush do "Foot".

E começamos: 01 volta, 02 voltas... as meninas rindo.

De repente éramos 04, 08, 10...20!

A Fila cresceu rápida e começamos a serpentear por dentro da praça. Íamos e vínhamos. Íamos e vínhamos.

As pessoas, fora do "Foot", juntaram-se nas calçadas e começaram a observar.

40, 60, 80...100!

A Fila crescia. A curiosidade e o espanto das pessoas também.

A Fila, no tédio do interior, era a atração da noite.

Comentários, cochichos, aplausos, vaias... susto!

Do nada, chegou a polícia. Correria para todos os lados. A polícia queria saber quem era o dono da Fila. Ninguém sabia quem era o dono. A Fila tornara-se uma serpente e todos eram um só corpo e uma só cabeça.

Bravejaram, perguntaram, não prenderam ninguém, mas acabaram com a Fila!

Pensando na Fila, lembrei-me do personagem de Tom Hanks, Forrest Gump. Vá lá saber por que as pessoas corriam atrás do Tom Hanks e andavam atrás da Fila da minha adolescência.

Fiquei olhando aquela anotação: 1966...67 - um tempo duro de lembrar - e me fiz uma pergunta: o que era a Fila para os adultos e a polícia?

Desacato, baderna, anarquia... subversão? Mas era só uma brincadeira de meninos!

Mas acho que para uma cidadezinha daquelas, naquela época, desacato, baderna, anarquia... subversão significavam qualquer coisa fora do normal, qualquer coisa que quebrasse a rotina da comunidade e que deixasse as pessoas com medo e que, por medo, se sentissem na obrigação de comunicar qualquer fato estranho às "autoridades", para proteger o País dos comunistas que, de acordo com o governo daqueles tempos, comiam criancinhas.

A Fila, para eles, era isso!

Infelizmente, a tolice humana não tem limites!

Acho que vou escrever um conto sobre "A Fila":

Em 1964, março...
.
TõeRoberto-10:13-post in jampa/pb

música: Não Existe Pecado Ao Sul Do Equador - Chico Buarque
publicado por Antonio Medeiro às 06:32
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