Você não faz a menor ideia do que tenho dentro da minha cabeça.
Não faz a menor ideia do meu acervo pessoal, do que vai morrer comigo quando eu parar de respirar.
Tem ideia dos prazeres, das alegrias, dos horrores, das tristezas... de tudo, enfim, do que sou feito?
O arquivo pessoal de um homem é algo espantoso e assustador, não deveria morrer com ele.
Fosse eu um HD e você acessasse, ficaria eufórico e horrorizado.
Fotos, textos, falas, montanhas, praias, rios luares, pores-do-sol, comidas, pessoas, esportes, crianças, flores, frutos, florestas, festas, risos, bebidas, paixões, amores, abraços, carinhos, afetos, risos, sonhos... testemunhas plenas de toda a parte boa da vida de um homem.
As guerras da Coreia, Vietnã, Iraque I, Iraque II, Afeganistão, Líbano, Malvinas; fome, terremotos, maremotos, secas, inundações, ira, vingança, mágoas, rancores, tragédias, dores, mortes, torturas, traições, violências, egoísmos... testemunhas plenas de toda a parte ruim da vida de um homem.
Este é o fardo que carrego vida afora: o meu testemunho vivo da riqueza cruel da dualidade do ser humano.
Às vezes a parte boa me toma e me faz vivenciar um belo final de semana ao lado daqueles que eu amo.
Outras vezes a parte má vem à tona e declaro guerra ao meu vizinho, à minha esposa, aos meus filhos... aos meus amigos.
Às vezes declaro guerra a mim mesmo.... às vezes faço um tratado de paz e ergo um muro entre as minhas duas metades.
E vou, aos trancos e barrancos, carregando na consciência o peso da minha culpa e a leveza da redenção dos meus pecados.
E digo a quem estiver disposto a ouvir: nesta vida maravilhosa e cruel não existe ninguém inocente... nem culpado!
Só existem os tolos que acreditam no bem e no mal... como eu.
O que não me impede de lhes dizer: você não faz a menor ideia do que tenho dentro da minha cabeça.
Só posso dizer que pesa, dobra a minha coluna, mas também me faz flutuar e deixa minha alma branca... pura.
Sou apenas um homem falando sobre a memória da sua vida.
Nada mais nada menos!