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Sexta-feira, 06 / 01 / 12

Ácida juventude

E aqui estou, 23hs, tomando uma cervejinha, beliscando um queijinho, olhando a minha sogra, uma senhora de 80 anos, deitada na rede.


Olho o seu rosto!


O que dizer?


Traços de uma mulher muito bela na juventude, ainda com os traços belos.


As marcas da vida!


80 anos de vida encravados na pele, na carne, nos ossos... nos olhos.


4 filhos, 10 netos, 4 bisnetos.


E firme!


Come bem, passeia bem, dorme bem... bem-humorada.


E eu aqui - perto dela - no alto da minha juventude, mastigando o fel de cada manhã.


Omisso diante do encantamento da minha própria vida.


Por favor, me deem uma lição!


Me enterrem num hospital de doidos!


Eu não valorizo nada do que a vida me oferece... de graça!


Saúde, inteligência, liberdade!


80 anos!


Uma anciã!


3.000kms de casa!


Viva, saliente, risonha... sobrevivente!


E eu, aqui, a 10m do meu quarto, afundado no 1/2 das areias do deserto do Saara à procura de um Oásis.


Por favor, me levem pra cama!


Que eu não sobrevivo à minha velha e ácida juventude.


TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 18:25
Terça-feira, 31 / 03 / 09

FARDA

1964 é um ano marcante para a minha geração.

Uma década em que mudamos do mel para o fel, da paz para a guerra, do sonho para o pesadelo, da luz para as trevas... trevas de mais de 20 anos.

Éramos crianças e o peso do coturno chegou com força total, pisando nossas cabeças inocentes... castrando intelectualmente uma geração inteira.

A rotina das pessoas mudou. A música mudou. O carnaval mudou. Tudo era tão claro, de repente ficou tudo escuro.

Tudo era um medroso suspense, como num filme de Hitchcock. Tínhamos medo de abrir a porta, de olhar embaixo da cama, de caminhar na rua, fosse noite ou dia.

Conversar com as pessoas não devíamos - garçons, motoristas de táxis, barbeiros: qualquer um podia ser o outro, aquele que denunciava por proteção, dinheiro ou ideologia.

Na escola proibiu-se autores, mudou-se o conteúdo das matérias, professores foram presos e a questão disciplinar passou a ser tratada com mão-de-ferro.

Eu, menino, me lembro de duas coisas que mudou drasticamente na minha escola: as filas e a farda... antes, uniforme.

As filas passaram a ser obrigatórias em tudo. Antes de entrar para a sala. Para voltar do recreio. Para sair da escola. Para.... A escola passou ser uma extensão da caserna.

A farda foi pior: éramos crianças e usávamos uniformes simples: calça azul-marinho - curta - camisa branca, meias e sapatos.

A nova ordem impôs: calca bege - comprida, com cinta - camisa bege de mangas compridas - com abotoaduras e gravata preta; meias pretas e sapatos pretos.

 As meninas também mudaram as cores para bege, meias pretas, sapatos pretos e saias bem mais longas do que as do uniforme anterior.

Nos tornamos verdadeiros soldadinhos.

Uma geração no divã da história. Vivemos ou sobrevivemos às mazelas da repressão?

Não sei, mas tenho certeza que, hoje, seria um cidadão bem melhor do que sou, tivesse vivido uma vida normal, sem castração, sem a humilhação de ter sido proibido de ler, assistir filmes, ouvir música e de, sobretudo, ter crescido em paz, longe da longa trajetória da violência que se instalou no país.

Vivi muito tempo no escuro e a claridade, hoje, me dói os olhos.

Que daqui para a frente, o bom senso nos livre desse tipo de mal... amém!
.
TõeRoberto-post in férias por aí/br

música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
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