Poemas Escolhidos

 

Um soluço vejo, soluço claro
um soluço frio, mudo, seco
um soluço calmo que, talvez, na certa
será pelo mundo, será pelas plantas
uma dor qualquer no fundo da alma
um gato doente, leite derramado
um dente que dói, sapato rasgado
uma mãe aflita, um fogão sem gás
uma goteira densa, a roupa apertada
mancha na parede, um pneu furado
um grito na noite, um sonho acabado
uma barata tonta passeando a casa
um rato que rói um queijo no prato
um resíduo velho, um rosto apagado
uma angústia fina, sub-reptícia
uma mágoa viva, um desprezo rápido
um feroz desejo, um tostão que falta
um esmalte fosco, um desenho errado
um soluço visto, um soluço claro
um soluço frio refletindo imagens
de sons que conflitam carnes e ossos
de águas que roçam o sangue, os poros
um soluço vindo do andar na rua
do estar bem cedo sem itinerário
sem perspectiva de qualquer afago
de subir escada de ônibus ou carro
de sentir-se vivo por mero acaso
de sentir-se vivo sem qualquer respaldo
para as coisas vistas, as coisas passáveis
pelos seis sentidos, pelos mil reparos
que não foram feitos no estragar da alma
e que agora cedo, com um nó nas formas
torna-se branca água, não potável
e escorre manso por qualquer das faces
que transitam as ruas feito espantalhos
e que soluçam calmas todos seus pesares
de estarem sós ou acompanhadas
pelos seus contínuos gritos de desforra
sem verem que a vida chora
pelos seus soluços que não marcam hora
e podem escorrer na noite, na aurora
ou podem explodir a qualquer momento
como este que veio e escorreu agora.

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(Fonte: Poema - Autoria de TõeRoberto)
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música: Tocando Em Frente - Almir Sater
publicado por Antonio Medeiro às 05:10