Homens&Pássaros

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Domingo, 20 / 12 / 09

O mar

Ontem à tarde, sentado diante do mar de João Pessoa - aquela cervejinha gelada - me veio à cabeça o poema "Privilégio do Mar", de Drummond.

"Neste terraço mediocremente confortável
bebemos cerveja e olhamos o mar.
Sabemos que nada nos acontecerá.

O edifício é sólido e o mundo também.

Sabemos que cada edifício abriga mil corpos
labutando em mil compartimentos iguais.
Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador
e vêm cá em cima respirar a brisa do oceano,
o que é privilégio dos edifícios.

O mundo é mesmo de cimento armado.

Certamente, se houvesse um cruzador louco,
fundeado na baía em frente da cidade,
a vida seria incerta... improvável...
Mas nas águas tranqüilas só há marinheiros fiéis
.Como a esquadra é cordial!

Podemos beber honradamente nossa cerveja."

Declamando o poema mentalmente, aconcheguei-me na cadeira, sorvi vagarosamente, aos goles, aquela maravilhosa cerveja e bati o pé no chão.

Realmente, o edifício era sólido e pessoas, com ar de cansadas, respiravam a brisa fresca do mar.

E na baía, diante de mim, no horizonte azul do mar de João Pessoa, apenas 01 ou 02 velas brancas - longe - e 01 ou 02 gaivotas - em voo calmo - ameaçavam a paz da humanidade.

Em Brasília, nada disso sabem.

Sabem apenas que o Brasil é deles e navega em águas mansas - marinheiros fidelíssimos - e esquadras cordiais.

A cerveja, não sei se Skol, desceu redonda e eu senti no peito o privilégio de estar diante do mar e de - afinal de contas - ser brasileiro, mesmo que honradamente...

O garçom, sem nada saber, me trouxe outra cerveja.

No horizonte, velas e gaivotas se fundiram e o cavalo negro da noite sobrevoou o verde mar de João Pessoa com suas asas enluaradas.

.
TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Terça-feira, 08 / 12 / 09

Negócios&Oportunidades

Troca-se um avião da Tam por um Beija-Flor distraído.

Uma cidade em alerta por uma vila pacata.

Um céu vestido de negro por um azul impecável.

Um ar ardido no rosto por um doce de abóbora.

Uma tarde morta de vida por um pôr-do-sol metafórico.

Um rio poluído e triste por um riacho fresco e arisco.

Uma flor de plástico puído por uma rosa amarela.

Um carro de mil cavalos por uma bicicleta encantada.

Uma cobertura de 10.000 m por uma choupana sem portas.

Uma avenida asfaltada por um caminho de terra.

Um cartão de crédito Visa por uma "pindura" antiga.

Um celular incrementado por um recado escrito.

Um computador de 10.000 gigas por uma Remington portátil.

Um emprego de 14 horas por um de 04, sem regras.

Um salário de R$ 15.000,00 por um de R$ 1.000,00, sem patrão.

Um sapato importado por um pé no chão sem os calos.

Uma comida enlatada por um canteiro de alface.

Um vizinho sisudo e triste por um solidário e alegre.

Um elevador moderno por um degrau de pedra.

Uma porrada no filho por um abraço gostoso.

Um governo corrupto por um homem sensato.

Umas 20.000 tristezas por uma única alegria.

Um desespero de anos por uma paz de segundos.

Um enfarte do miocárdio por um coração menos rude.

Uma hipertensão por uma picanha na brasa.

Um peso na consciência por uma leveza de asas.

Um idiota convicto por um bobo sem malícias.

Uma sobriedade cega por um porre filosófico.

Uma crença burra por uma fé inteligente.

Uma omissão assumida por uma vergonha na cara.

Um sonho de consumo por uma tarde na praia.

Um grande amor perdido por uma paixão na segunda.

Uma Skin superquente por uma Brahma gelada.

Uma vitória do Palmeiras por uma derrota do Corinthians.

Uma segunda-feira por um feriadão de 04 dias.

Um segredo de morte por um sorriso inocente.

Uma palavra de político por uma coisa mundana.

Um blogueiro muito chato pelo Carlos Drummond de Andrade.

Uma vida de loucos por uma brisa no rosto.

Troca-se um tolo por uma manhã sem ressalvas.

.
TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Terça-feira, 21 / 10 / 08

OS CHATOS II

Textos Escolhidos

 

Ontem estava vendo um filme e me veio à cabeça o poema O Sobrevivente, do livro Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1930.

Assim:

 

"Impossível compor um poema a essa altura da evolução
da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja -
de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

 

Há máquinas terrivelmente complicadas para
as necessidades mais simples.

 

Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

 

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de cultura.
Mas até lá, felizmente, estarei morto.

 

Os homens não melhoraram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo
dilúvio.

 

(Desconfio que escrevi um poema.)"

 

Por que me lembrei do poema?

Alguns dias atrás escrevi sobre os chatos que estão mandando em nossas vidas.

Pois bem, no filme mencionado, um general, testa-de-ferro dos chatos, diz o seguinte:

Neste país não se fuma, não se bebe, não se sonha acordado; não se consome drogas, carne vermelha, açúcar; não se faz sexo (a não ser que seja casado), não se dorme tarde, levanta-se cedo e se trabalha para produzir bens de consumo em escala mundial, para atendermos às necessidades alimentares e tecnológicas dos povos e para, com alegria, participarmos do crescimento e do enriquecimento da nossa nação. Fazemos isto porque somos patriotas e demoramos séculos para chegar a tal nível de civilização.

Eu acho que Drummond conhecia bem os chatos e já sabia, 70 anos atrás, que eles um dia seriam os donos do mundo.

Olhe a sua volta: há sempre um chato por perto, com uma nova lei embaixo do braço.
.
(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB

música: Vaca Profana - Gal Costa
publicado por Antonio Medeiro às 05:05
Sexta-feira, 03 / 10 / 08

TÉDIO

Textos Escolhidos

 

Minha filha e meu genro postiços (eu os chamo de postiços porque ela é filha de minha mulher) passaram as férias na nossa casa.

Paulistanos da nata, são duas figuras extremamente interessantes:vivos, alegres, bem-humorados e puxando um pouquinho o saco: gente boa mesmo!

Adoram o nordeste: história, sol, praias, paisagens, gastronomia.

São incansáveis em relação a isto.

Um de nossos passeios - Bahia da Traição - lugar lindíssimo: ao entrarmos na vila meu genro postiço observou: "que tédio tem este lugar!"

Parei, prestei atenção e concluí: que tédio tem este lugar!

10 horas da manhã, ninguém na rua!

A gente passava pra lá: um moleque coçando a pereba; uma mulher, na janela, com a mão no rosto; um homem pitando um cigarro.

A gente passava pra cá: o moleque coçando a pereba; a mulher, na janela, com a mão no rosto; o homem pitando um cigarro.

Assim mesmo!, fora os que não faziam nada.

Então brinquei com meu genro postiço: É!, tu em São Paulo tem uma bela vida de idiota e este povo aqui tem uma idiota de vida bela.

Rimos!

Foram embora; eu, com saudades, pensei:

Por que perdemos nossa identidade com a paz?

Por que temos que correr?

Por que tudo tem que ser para ontem?

Por que a paz é tão entediante?

Não somos mais produtivos na paz do que na guerra?

Enfim, é um assunto comprido pra se tratar aqui, mas acho que a sensação de tédio das pessoas das cidades tem tudo a ver com o monstro moderno que as escraviza: o consumismo.

Disse Drummond: "no elevador eu penso na roça, na roça penso no elevador."

E, repetindo o poeta maior - tanto quando estou em são Paulo ou na Bahia da Traição - só tenho uma coisa a dizer:

"ETA VIDA BESTA, MEU DEUS!"
.
(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB
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música: Ponta De Areia - Milton Nascimento
publicado por Antonio Medeiro às 05:05
Blog de TõeRoberto

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