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Terça-feira, 06 / 07 / 10

Elegia do amor profano

Para Milena, Amanita, Inã, Amana e Nayê, filhos

De quem serão as crianças
que fazemos sem pensar?
E as que foram feitas
com nossa atenção dobrada
a leve mão na barriga
a doce voz pelos poros
aquela espera sentida...
o aflito contar das horas?

De quem serão as crianças
as pensadas, não pensadas?
Da rosa, cores, perfumes
bicos, pólen, vento...asas
espuma rondando a praia
azul lambendo o mormaço
gritinhos, olhos, desenhos
vida, arrepio...graça
campos de lantejoulas
matas, riachos, praças
cantiga de beija-flores
nuvens, chuva... fumaça?

De quem serão as crianças
as sonhadas, não sonhadas?
Das muitas, pobres partilhas
invasões, saques, ardis
eterna, vil armadilha
de sermos tão pueris
sozinhos, mudos, perdidos
consumido, mergulhados
no negro mangue dos dias
no frágil tic das horas
no seco som das palavras
no fundo poço dos olhos
na lenda viva, obscura...
nosso vulto na aurora?

De quem serão as crianças
as amadas, não amadas?
Das migalhas de um sono
não dormido, amamentado
no reles desejo de ira
violências, desagravos
no fino mel do veneno
faca...honra aviltada
no verde grão da inocência
humo...fome plantada
nas rudes, cegas verdades
dos levianos retratos
dos velhos, vagos anseios
pobres sonhos calados
na fria, tola permuta
a mesma face pintada
o mesmo sono invencível
vida, morte acuadas
desenhos, sons, aparências...
nosso próprio cansaço?

De quem serão as crianças
as cansadas, não cansadas?
Do gosto amargo da língua
das palavras malfaladas
do olhar fero, terrível
dos amores degolados
no eterno, doído medo
punhal... sentença talhada
na vida estéril, inerte
dos casais mal-acabados?

Serão de circo as crianças
plumas, vedetes, palhaços?
Mansos leões afagando mãos
chicote... o mágico
estranha plateia, cantigas
serenas formas aladas
aplausos, grito...delírio
o bis fluindo dos lábios
alma, corpo, destino
escadas do cadafalso
punhos, força, instinto
silêncio, reza... carrasco
rito, cenas, algemas
vaias, forca... sarcasmos
débeis flores nascendo
quietude, corte... mais nada?

De quem serão as crianças?
Do fato ou do nosso ato
de sermos todas as horas
um equilíbrio em farrapos
um pequenino retrato vazio
sem fundo... face
imagem nua... disforme
do amor carente de ordem
amor passível de morte
que veio, pousou nos olhos
teceu lampejos de posse
roeu cantigas serenas
comeu a linfa da vida
roubou a fé tão pequena
plantou sementes de ódio
tingiu o mel com veneno
torceu a linha dos sonhos
traçou o fio da sentença
forçando garganta abaixo
a sina dos mil dilemas?

De quem serão as crianças
as cantadas, não cantadas?
Do nosso parvo delírio
restos de dores guardadas
no rosto sério, ferido
nos olhos fitos, sem água?

Serão do crime as crianças
milhões de crimes da raça?
Dos vinte crimes de frases
de um só crime, a palavra
do crime acalentado
por nossa voz afiada
o frouxo corpo encolhido
as frágeis mãos calejadas
o cego gosto da posse
o couro cru da chibata
a vaga calma perdida
nessa triste, vil trapaça
de sermos feitos de alma
de vergonhas, de migalhas
de rotas pedras caídas
nas ruínas de uma praça
de honra, status, pompas
que não servem para nada?

De quem serão as crianças
as honradas, não honradas?
Do sujo, medonho espólio
herança sempre macabra
de quem nessa vida mata
com beijos o objeto amado?

Serão nossas as crianças
pernas, pâncreas, cada abraço
choros, birras, artes, manhas
risos, sonhos, pés, trapaças?
O voo de cada dia
a vida presa no laço
a plena vida escondida
vingança, neuro, disfarce
selada com sete chaves
ciúmes, medo, maldade
eleita, em coro, no escuro
pra servir de cambalacho?

Serão nossas as crianças
produzidas pras idades
ou serão como nós próprios
prisioneiras desse nada?

De quem serão as crianças
as que ficam, não ficaram?
Da fosca prata da lua
do seco pó das estradas
dos andaimes de concreto
das obras não terminadas
da fina imagem do vidro
dos olhos semicerrados
dos fundos sulcos, das rugas
pintura...rosto marcado
por esse suicídio lento
resíduo... vida calada
o nada - fuga impossível
essa agonia pirata
que ronda com suas espadas
o nosso peito de lata?

Serão do tempo as crianças
lábios, seios inchados
na cólica negra da noite
o canto desesperado
da fome - ave do vento
leite, no ego, estragado
por tanto sim escondido
por tantos beijos negados?

De quem serão as crianças
as beijadas, não beijadas?
Do nosso gostoso abraço
daquela velha amizade
do leve toque de pele
o livre canto sem hora
de tudo que prometemos
bonecas, parques e palmas
por tudo que lhes passamos
angústias, gritos e tapas?

De quem serão as crianças
com seus olhinhos sensatos
suas mãozinhas serenas
seus rostinhos alados?

Do curso longo, violento
das vidas atormentadas
dos vagos, duros rancores
de algum amor enfadado
desse olhar indescritível
dos adultos retalhados?

Serão de fato e direito
divisíveis, partilháveis
serão unguentos possíveis
pros nossos cortes baratos
pros nossos pequenos traumas
pra eterna falta de tato?

Serão nossas as crianças
as com marcas, não marcadas?
Ou desse medonho poço
vida, sonhos aprisionados
na rasa, pura mentira
essa sentença calada
de sermos filhos que somos
aflitos pais não lembrados
antiga fome contida
no peito - órgão gelado
por nosso fel escondido
no estranho mundo da alma?

Serão nossas as crianças
as faladas, não faladas?
Ou serão do mesmo barro:
filhos, pais, velhos, casais
gritos, medo, desatino
o silêncio... nada mais!

publicado por Antonio Medeiro às 10:13
Terça-feira, 01 / 06 / 10

Uma criança nasceu

Comunico a quem possa ou não interessar no Iraque, no Afeganistão, no Líbano, nos Estados Unidos, na China, em Cuba, na França, na Itália, na Inglaterra, na Argentina, na Oceania, no Canadá, na Alemanha, na Índia, no Chile, no Brasil - para todos os cantos do mundo, enfim - que a minha Neta nasceu.

Uma criança... apenas uma criança!

Com sua carinha indefesa, seus olhinhos fechados, sua boquinha sedenta pela seiva da vida - o seio materno.

Uma criança nasceu!...

Comunico ao Bush, ao Sarkozy, à Merkel, ao Papa, à Rainha Elizabeth, aos donos da Volks, da GM, da Chevrolet, da IBM, da Microsoft; aos donos da Telemar, da Peugeot, da Boeing, da Tam, da Shell, da Texaco; aos donos do Barcelona, do Manchester, do Milan; ao Fidel, ao Chaves, ao Kirchner, à Bachelet, ao Lula que a minha Neta nasceu.

Um acontecimento simples e fantástico: a minha Neta nasceu!

Eu sei que vocês não entendem, da minha parte, tamanha desfaçatez.

Devem pensar que sou louco... ou, simplesmente... louco!

Mas digo: será que os negócios das bolsas, o valor do Dólar, do Euro, do Marco, do Iene, do Peso; o sangue das guerras inacabáveis, as disputas desiguais pelo petróleo, a globalização, o avanço tecnológico, o dinheiro guardado nos paraísos fiscais, a exploração inexorável dos trabalhadores na Ásia, a expansão burra e mesquinha do agronegócio, a hipocrisia da Globo, a insensibilidade dos políticos e dos empresários brasileiros; será que tudo isto é mais importante que o nascimento da minha Neta?

Senhores, por favor!

Parem tudo!

Minha Neta nasceu!

Querem algo maior que ser dono de todo o petróleo do mundo?

Muito melhor que ser dono da Microsoft?

Mais prazeroso que jogar bombas no Iraque?

Mais lindo que o maior pôr-do-sol do mundo?

Mais romântico que uma noite de lua cheia?

Mais gratificante que ser um operário e governar o Brasil?

Senhores, por favor?

Parem as suas guerras, os sofrimentos dos povos, as fábricas de miséria, a construção de mísseis, a confecção de armas biológicas, as reuniões intermináveis, o fundamentalismo religioso e econômico, a destruição do planeta e venham prestar homenagens à vida.

Venham para Natal - Rio Grande do Norte - Brasil - América do Sul - Terra - entrem na fila, peçam licença e olhem, apenas olhem, por um segundo, aquele rostinho iluminado e mágico e percebam que apesar de todas as suas misérias - misérias de vocês - a raça humana ainda pode ter solução.

E que as suas questões de poder - de todos vocês, crianças más - perto destes olhinhos verdes, não passam de fumaça na curta existência humana.

Por favor, sejam humildes!

Dobrem o espinhaço e façam reverências!

A minha Neta nasceu!

A vida se esmera... e o planeta não é mais o mesmo.

Nem eu!!!

Bem-vinda, Nayanna ou Jaya, o mundo te aplaude de pé!

E fiquei mais rico; já tenho dois, agora três!...

publicado por Antonio Medeiro às 07:25
Quarta-feira, 13 / 01 / 10

Os meus filhos

Confesso... sou um pai de coração angustiado!

Não existe uma só madrugada que eu não acorde e não pense nos meus filhos.

Nos mais velhos, nos mais novos, nos solteiros, nos casados, nos distantes, nos pertos.

Uma angústia nada fácil de sentir... uma agonia secreta!

Empregos, esposas, maridos, escola, saúde, vícios... futuro!

Futuro num momento difícil da humanidade: incerteza, violência, doenças, carestia, isolamento, solidão... individualismo.

Projeto-os no futuro distante e fico temeroso, pesaroso... agoniado com suas vidas naquele tempo futuro.

São tão jovens!

Tão ingênuos!

Tão alimentados por esta farsa que é a promessa de que um dia vão conseguir o castelo!

O alazão de asas douradas!

Os seus filhos nos enormes jardins da esperança!

A eterna felicidade!

Eu envelheço!

Mas meus filhos serão sempre crianças!

Expostos à dureza da vida!

À maldade humana!

Às suas próprias fantasias!

Às suas próprias armadilhas!

O mundo escraviza os fortes e engole os fracos... é a lei da selva!

Quando, à noite, viajo pelos tempos futuros e os vejo, ora sorridentes, ora tristes, ora na opulência, ora na falta, lutando desesperadamente para serem felizes, por um momento de paz... o meu coração sangra.

Porque não há nada que eu possa fazer!

Primeiro, porque realmente eu não sei o que fazer para protegê-los do mundo - muita gente acha que sabe - se souberem, por favor me ensinem!

Segundo, porque eles próprios têm sua própria visão das coisas.

Eu mesmo contribuí para isto, e não há nada no mundo que os faça mudar de ideia!

E eles, sinceramente, na maioria das vezes, nem sabem que ideia é esta!

Mas não se preocupem, é só a angústia de um pai!

Às vezes pareço distante, ausente, omisso em relação aos meus filhos.

Mas é só porque, talvez, nunca prestaram muita atenção no meu coração.

É só o coração de um velho pai que sangra angustiado, em silêncio, na solidão da noite.

Chorando pelos seus filhos, junto com eles, as suas perdas e dores... coisas que ainda vão acontecer.

O amor e a paixão... por medo, às vezes são secretos.

E coração de pai, tanto quanto o de mãe, também dói!

Vou descobrindo isto aos poucos!

.
TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Segunda-feira, 02 / 11 / 09

Caru

Minha amiga Ana Carolina/Caru é uma figurinha.

A conheci na barriga, a vi crescer, se tornar menina, adolescente, mulher - posso dizer... uma gatinha... gatona.

Mas continua menina!

Sua história se confunde com a história dos meus filhos.

Minha companheira de cozinha - adora um frutinho do mar.

Minha escrava, quando a comida lhe interessa.

Lava, relava, corta, recorta, corre, recorre, enxuga, reenxuga... e participa sempre com sua presença alegre, satírica e solidária.

Não é poeta, mas adora rimas:

TõeRoberto do...

Norival pega...

Nena cara de...

Amana cara de...

Nayê cara de...

Guto cara de...

Solange cara de...

Vlad cara de...

Caru cara de... Ana Carolina, a menina com olhos cor-de-piscina.

É uma figurinha!

Não tem nacionalidade: Paulista, Pernambucana, Paulista, Potiguar, Carioca, Paulista, Potiguar, Carioca, com uma enorme tendência de se tornar mineira.

É a minha amiga Ana Carolina... Caru!

Fazemos parte de um grupo de gente que misturou as histórias das suas vidas: crianças, adolescentes, adultos, segunda idade, terceira idade... animais.

Misturamos nossos filhos, nossos animais, nossos problemas, nossos desejos, nossos anseios, nossas alegrias, nossas tristezas, nossos amores, nossas perdas e juntos estamos acompanhando o passar das nossas vidas repletas de coisas difíceis... mas também de coisas maravilhosas.

Para falar mais de Ana Carolina/Caru teria que escrever uma enciclopédia, tantas foram as histórias, os desígnios de todos nós - partes do grupo.

Ana Carolina é um dos nossos capítulos mais felizes!

A simpatia em pessoa!

Um abraço... não um abraço - mas aquele abraço!!!

Tô te esperando pra fazermos aquela sinfonia marítima... e aquela moqueca!

Com urgência!

.
TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Domingo, 06 / 09 / 09

Infraestrutura

Há mais que o coração reestruturado
reencontrado
recompensado
há o desatino humano
em formas de estrias vermelhas
como estas de pintores loucos
de quadros caóticos
de alminhas ascéticas
que brincam noturnamente nos museus
de fazer susto nas crianças puras.

.
TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Quinta-feira, 29 / 01 / 09

A SURDA

Textos Escolhidos

 

A história é de Minas.

Acho que por mais insignificante que seja o ser humano, alguma coisa dele fica no espaço ou... na memória de alguém.

Ficou na minha ou não estaria escrevendo sobre isso.

Madalena:

Madalena - só Madalena - era o nome da personagem.

Surda, falava pouquíssimo, além de não falar coisa com coisa.

O eterno pano na cabeça, a cabeça sempre baixa.

Em menino, e adulto também, convivi muito com ela e sei pouquíssimo de sua vida. Era daquelas pessoas que passam pela vida despercebidas. Estão ali, mas é como se não estivessem. Teimam em não existir para o mundo.

Nunca soube como seus patrões a conseguiram. Morava num quartinho no fundo da casa... despercebida.

Como louca era vista na cidade.

Andava pelas ruas resmungando. As crianças tinham medo de Madalena.

A personagem é profunda e eu sou muito raso, muito superficial para traçar um perfil mais adequado, mais justo para Madalena.

Só sei que ela ficou na minha memória apenas por uma frase que repetia a cada vez que passava por alguém, inclusive por mim, e que eu vivo repetindo pela vida afora:

"Cê num sabe o qui ti espera nu fim da vida!"

Madalena se foi. Ficou eterna comigo.

Agora vocês também já sabem:

"Cê num sabe o qui ti espera nu fim da vida!"

Assustador, não???
.
TõeRoberto-post in jampa/pb

música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:12
Terça-feira, 18 / 11 / 08

MACEDINHO

Textos Escolhidos

 

O meninozinho de carinha suja e olhinhos vivos, filho de D. Madalena Cruz-Credo, chama-se Macedinho e mora lá no fim da periferia da urbanidade dos homens.

"Um pouquinho de comida! Um pouquinho de!..."

(Um homem de terno azul-cinzento ficou bravo na minha frente quando moleques tiraram o pão da boca do cachorro da Rua dos Cachorros).

"Seus moleques!... Capetas!... A prefeitura deveria dar bolas era para vocês!..."

Macedinho tem, nos bolsos furados, uma broa de fubá que aperta com amor.

Na rua, os homens são imponentes; às vezes tomam os pães ou as broas de fubá das mãos e das bocas das crianças indefesas.

Como os meninos ao cachorro.

"Dinheiro prum meio quilo de arroz!..." Deus lhe pague!... Deus lhe..."

As janelas são um amontoado de barras de ferro quadradas e negras dentro da noite fria.

Passos corridinhos, em forma de medo, se movimentam no escuro da cidade e se escondem nas sarjetas da noite.

O homem gordo ronca debaixo de colchas caras.

Macedinho corre pela noite.

Junto dele correm, em silêncio, milhares de olhinhos medrontados, esfomeados e sufocados por nossa omissão consentida.

Os homens dormem seus sonos tranqüilos e sonham, noite adentro, que roubam os pães e as broas de fubá da boca dos meninos adormecidos.

E sorriem absolutos!
.

(Fonte - Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB

música: Upa Neguinho - Elis Regina
publicado por Antonio Medeiro às 01:39
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