Palco: São Paulo.

Local: Rua Afrodízio Vidigal: Vila Maria Alta

Anos: 73/75.

Personagens: Israel, Eliseu, Jesus, Stela, Arnaud, Messias, Vera... e eu.

Éramos os meninos da Vidigal.

Os irmãos Israel/Eliseu e Jesus/Stela, de Tupi Paulista; Vera também; Arnaud e Messias, de Boa Esperança; eu, de Guaranésia.

Grupo heterogêneo: ideias, valores, educação, condições financeiras, aptidões, sonhos diferentes.

Uma coisa em comum: dividir um espaço, se respeitar... e sobreviver.

Louça, roupa, casa, pia sujas. Luz cortada. Água desligada. Música alta. Luz acesa. Coisas jogadas. Cueca pelo chão. Sutiã na mesa da cozinha, Cadê a minha camisa? O meu livro? A minha calcinha? A minha escova de dentes. Barracos! Barracos! Barracos! Pau! Pau! Pau! Porra! Porra! Porra!

Festas, música, poesia, piadas, brincadeiras, histórias, meninas. Risos! Risos! Risos! Legal! Legal! Legal! Oba! Oba! Oba!

Fome! Fome! Fome!

Cardápios inusitados:

Salmoura quente para acalmar o dragão da fome e dormir.

Farinha com água e sal.

Pão amanhecido molhado na água.

Tubaína com broa de fubá para inchar o estômago.

Chuchu cozido sem sal - minha pressão é legal até hoje.

Arroz com arroz acompanhado de arroz.

Bolacha de maizena com bolacha de água e sal.

Pão com ovo. Pão com ovo. Pão com ovo.

Pão com ovo, só pra variar.

Iguarias quase sempre acompanhadas pelo violão de Messias ou poesias minhas e de Israel.

Mas milagres acontecem: nesses anos o Miojo foi inventado. O Miojo revolucionou a vida nas repúblicas. A qualidade de vida melhorou muito. Até os miseráveis das repúblicas pobres - nosso caso - passaram a ter comida. Fome nunca mais!

As mulheres na República não eram muitas, mas transitavam soltas. Arnaud era o garanhão da Vidigal.

Comia - numa época - Railda, a mulher de um cobrador de ônibus.

República movimentada, sempre uma chave disponível no vitrô quebrado da cozinha.

Uma noite: acordei, quarto escuro, só eu e Arnaud na República - uma voz:

Porra, cara! tu tá comendo a minha mulher!

Gelei.

Arnaud: Eeeuuu?

È cara!, apertei e ela me contou. Até onde ficava a chave.

Arnaud: Eeeuuu!

Puxei o cobertor na cabeça e pensei: esse cara não vai deixar testemunhas.

Arnaud: Mas... mas... mas... sa-be... na-na-nada a ver! É só...

Olha só vim aqui dar um aviso: fica longe da Railda!

Escutei os passos no assoalho: o sujeito foi embora.

Graças a Deus o sujeito era corno... e manso, muito manso!!!

No escuro gritei com Arnaud: seu filho-da-puta, cê quer matar a gente, seu corno!

Meses depois, Arnaud encostou uma caminhonete na porta da República e levou tudo que ele julgava ser dele.

Jesus, ao chegar em casa, subiu aos céus, pediu a ajuda do Pai, gritou, esperneou e se conformou.

Não sei por onde andam!

Mas onde estiverem: tô com uma puta saudade de todos vocês.

Afinal de contas, vivemos, convivemos e estudamos na mesma Universidade Da Vida: A República da Vidigal.
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TõeRoberto-post in férias por aí/br

música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00