Eu nasci com um 'S' no final do meu sobrenome.


A burocracia, com o passar dos anos, comeu o meu 'S'.


E comeu o 'S' do sobrenome da minha mãe.


E comeu mais alguns 'Ss' que meus parentes ainda não descobriram.


E a ausência do meu 'S' está, hoje, transformando a minha vida num personagem Kafkiano.


Perdi a minha identidade, tirei outra.


Aí a burocracia devolveu o 'S' roubado da minha mãe.


E o 'S' ressuscitado da minha mãe passou a infernizar a minha vida.


E descobri, perplexo, que depois de tantos anos trabalhando, recebendo salário, pagando imposto, fazendo empréstimos, eu não existo mais.


Fui abrir uma conta no banco:


Eu, com minha identidade nova - com o 'S' ressuscitado da minha mãe -, não existo mais pra Receita Federal.


Não posso abrir conta, não posso fazer crediário, não posso comprar um imóvel, não posso casar, não posso fazer nada... nem morrer!


O sistema só me reconhece com o 'S' roubado da minha mãe.


Com ele de volta me transformei num ser virtual, que só existe pra família e amigos.


Dizem que é fácil consertar.


É só devolver à Receita Federal o 'S' da minha mãe.


Mas tenho certeza que quando eu fizer isto alguém vai chiar.


Posso não receber o meu salário, posso não poder movimentar a minha conta que tem mais de 30 anos, posso ser preso indevidamente.


E tudo por conta de um pequenino 'S', de quem, por sinal, nem sou muito fã.


De uma coisa eu tenho certeza:


Esse 'S' ainda vai dar muito que falar.


A burocracia é uma senhora muito cruel, lerda... e burra!


E mora no Brasil!


TõeRoberto

publicado por Antonio Medeiro às 18:04