Homens&Pássaros

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Terça-feira, 24 / 08 / 10

O Pássaro

O Pássaro estava lá no alto, planando; pipa de menino que sonha um dia ter asas.

Majestoso, enorme, imponente; quase que parado no ar sobre a praia do Tambaú.

Observava.

Com sua magnitude me observava.

Eu também o observava.

Um acompanhava o outro: ele, com as asas; eu, com minhas raízes.

Observei que a única diferença entre mim e ele, além da sua beleza, do seu senso de liberdade e da sua leveza era a certeza de que todos os horizontes do mundo são os seus alvos.

Aqui embaixo mal vejo os horizontes e tenho a minha vida presa às questões menores que nada têm a ver com beleza, liberdade, leveza e muito menos com certeza em relação a alguma coisa.

Ele, em sua plenitude, é apenas um Pássaro; eu, na minha pequenez, sou apenas um homem... um Pássaro ao contrário.

Nasci com o dom das asas, mas os pesos da vida plantaram os meus pés no chão e as raízes nasceram.

As asas enfraqueceram e hoje construo máquinas para voar.

E íamos pela praia.

No que pensaria o Pássaro?

Creio que só me admirava tomado de profunda compaixão.

Um ser tão iluminado deve ser capaz de humana humanidade.

Eu o observava.

De repente acho que ele se cansou de mim.

Acho que percebeu que eu não valia a pena.

Voou mais baixo, me encarou e num voo rápido, rasante, disparou como uma flecha rumo ao horizonte azul do mar de João Pessoa.

Eu fiquei ali parado, frustrado, com dó de mim mesmo.

Fiquei olhando sua trajetória até que ele rasgou a parede do horizonte e desapareceu no meio da grandeza do mar.

Ali sozinho, senti como sou nada diante da grandeza infinita das criaturas aladas.

Das criaturas livres!

Dos seres maiores!

publicado por Antonio Medeiro às 08:53
Terça-feira, 17 / 08 / 10

No coração da noite

No coração da noite
pinceladas de trevas
expõem,
como rosas de fogo,
as feridas da amada.

Ó amada querida, não sofras!
Por ti deixei o paraíso
e desci ao inferno da vida.
Vasculhei os profundos poços da tristeza
e encontrei os teus olhos molhados
de úmida madrugada.

Nada entre nós foi tudo
fomos um pouco de ausência
um pouco de esquecimento
e esquecemos nossa aliança de amor
nas esquinas de Olinda.

A cidade caía sobre nós feito chuva
uma forte chuva ácida
corrosiva e quente
que destruía o esmalte dos desejos
e da vontade construída pelos anos vividos.

Tua ferida amada
não mostra só a ti sozinha e decepcionada.
Mostra também a mim
um retalho de horizontes
dentro do mar ensimesmado.

Caí contigo.
E juntos rolamos pelas ladeiras do Carmo
em gemidos de dor e desespero.
A rosa vermelha se abria
o coração pulsava.
De onde viéramos não constava o mapa
e onde estávamos era um fronteira sem marcas
um território longínquo
um estar sem alma
um pesadelo sem dormir.

Por isso amada
a ferida se abre.
Hoje ela se abre no leito desfeito
e se esparrama amarga pelo tempo
e nada conseguirá deter o ressentimento
daqueles momentos doídos
daqueles momentos líquidos
que escorreram entre os dedos trêmulos
daquelas tardes cinzentas.

Dorme, ó amada!
ao teu lado morrerei um pouco
mais um pouco da morte que já sou
e velarei em silêncio o teu segredo
e afagarei com espinhos
a rosa que se abre
no fundo fechado dos teus olhos
de onde as lágrimas escorrerão macias
e molharão a noite
de uma maneira suave e triste
como se fossem nossas vidas
hoje tão distantes de nós
hoje tão adormecidas
hoje tão definitivamente sozinhas.

Santos/sp/13:25hs/Domingo)

publicado por Antonio Medeiro às 08:49
Terça-feira, 10 / 08 / 10

Dentro da minha cabeça

Você não faz a menor ideia do que tenho dentro da minha cabeça.

Não faz a menor ideia do meu acervo pessoal, do que vai morrer comigo quando eu parar de respirar.

Tem ideia dos prazeres, das alegrias, dos horrores, das tristezas... de tudo, enfim, do que sou feito?

O arquivo pessoal de um homem é algo espantoso e assustador, não deveria morrer com ele.

Fosse eu um HD e você acessasse, ficaria eufórico e horrorizado.

Fotos, textos, falas, montanhas, praias, rios luares, pores-do-sol, comidas, pessoas, esportes, crianças, flores, frutos, florestas, festas, risos, bebidas, paixões, amores, abraços, carinhos, afetos, risos, sonhos... testemunhas plenas de toda a parte boa da vida de um homem.

As guerras da Coreia, Vietnã, Iraque I, Iraque II, Afeganistão, Líbano, Malvinas; fome, terremotos, maremotos, secas, inundações, ira, vingança, mágoas, rancores, tragédias, dores, mortes, torturas, traições, violências, egoísmos... testemunhas plenas de toda a parte ruim da vida de um homem.

Este é o fardo que carrego vida afora: o meu testemunho vivo da riqueza cruel da dualidade do ser humano.

Às vezes a parte boa me toma e me faz vivenciar um belo final de semana ao lado daqueles que eu amo.

Outras vezes a parte má vem à tona e declaro guerra ao meu vizinho, à minha esposa, aos meus filhos... aos meus amigos.

Às vezes declaro guerra a mim mesmo.... às vezes faço um tratado de paz e ergo um muro entre as minhas duas metades.

E vou, aos trancos e barrancos, carregando na consciência o peso da minha culpa e a leveza da redenção dos meus pecados.

E digo a quem estiver disposto a ouvir: nesta vida maravilhosa e cruel não existe ninguém inocente... nem culpado!

Só existem os tolos que acreditam no bem e no mal... como eu.

O que não me impede de lhes dizer: você não faz a menor ideia do que tenho dentro da minha cabeça.

Só posso dizer que pesa, dobra a minha coluna, mas também me faz flutuar e deixa minha alma branca... pura.

Sou apenas um homem falando sobre a memória da sua vida.

Nada mais nada menos!

publicado por Antonio Medeiro às 10:32
Terça-feira, 03 / 08 / 10

Céu de ferro

O céu me parece ferro
uma mina de Minas ao céu aberto
e os meus olhos ardem às 22:17 da noite
na cidade de Santos
do mar de ferro
dos homens de ferro
no porto.

Um incidente qualquer poderia acontecer.
Um navio naufragar.
O céu cair.
O relógio andar.
E eu respirar.

Está tudo tão quieto na cidade de Santos.
Está tudo tão igual.
Tudo tão morto.
Tudo sem fôlego.
Está tudo eu na cidade de Santos.

Um incidente qualquer poderia acontecer.
E se eu não estivesse sozinho?
E se eu não escrevesse este poema?
E se eu não pensasse nisto?
E se eu me matasse por engano?

Se o céu não fosse tão duro
certamente eu estaria
no alto do Monte Serrat
à procura de uma estrela.

Mas o céu é tão duro
tão presente
e o porto tão quieto
tão distante
que eu penso nisto.

E por isto eu me consinto
a crer que o meu silêncio
é impossível
que o meu silêncio é parecido
com a alma que carrego
noite acima.
(Santos/SP-Sexta-feira-22:36hs)

publicado por Antonio Medeiro às 16:07
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