Homens&Pássaros

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Terça-feira, 27 / 07 / 10

O Bolero

A música:

"Tanto tiempo disfrutamos este amor
nuestras almas se acercaron tanto asi
que you guardo tu sabor
pero tu llevas tambien sabor a mi..."

Definitivamente! Na outra encarnação eu fui puta!

Porque vou dizer uma coisa: vai gostar assim de um bolero lá não sei aonde!

A qualquer hora o bolero me inflama, me leva pra dentro da noite, aos bares escuros dos becos, à fumaça negra do cigarro - no ar - às bocas pintadas passionalmente, aos passos da dança suave que me faz flutuar.

O bolero me faz vivo, entra no peito - onda de calor - esquenta o coração e faz doer aquela dorzinha escondida nos cantos dos anos.

O bolero nos dá a fêmea volátil, aquela de doer os cornos, fazer nego beber, soluçar e se matar na base do prozac e da punheta.

O bolero e a fêmea se entrelaçam aos olhos notívagos da nossa eterna boemia; o terno de linho - branco - a cachacinha tomada a conta-gotas à luz dos mistérios da lua, ao som da orquestra suicida que queima com suas notas melancólicas a alma inocente da noite.

O bolero me mata aos poucos, me afunda no buraco negro dos meus amores esquecidos, me engasga com os sessenta cigarros que já abandonei e me afoga na cerveja tomada aos montes nas madrugadas insones.

Já fui puta - isto eu tenho certeza - porque ao som do bolero me vem às narinas o cheiro dos perfumes baratos, o odor dos suores fétidos dos homens do porto, o toque da cédula de U$20, o estalo do tapa no rosto, o gosto salgado das lágrimas na ponta da língua e a angústia da solidão sem fim.

O bolero é o meu limite entre o viver e o existir. O bolero é a minha alma, a minha cólica renal, a minha dor de dente, a minha dor de cotovelo, o meu tesão pelo que não fui.

Deixe o bolero fluir ao som do vento e, no silêncio da noite, deixe o bolero trazer em suas mãos atormentadas a possibilidade dos amores que choram em silêncio, nas notas da melodia, as suas dores mais lindas.

Deixe o bolero sofrer no fundo passional dos seus amores brutos.

"Pasáran más de mil años muchos más
yo no sé si tiene amor la eternidad
pero hoy tal como ayer
em tu boca llevarás sabor a mi..."

E vista o seu terno de linho - branco - e se lambuze na febre indecente das bocas avermelhadas da sua alma de puta.

publicado por Antonio Medeiro às 10:22
Terça-feira, 20 / 07 / 10

Às vezes

Às vezes estou assim
embriagado de madrugada
pleno de poemas arteiros
que fogem pra não sair.

Às vezes eu fico assim
madrugador da embriaguez
arteiro de poemas plenos
que saem pra não fugir.

Às vezes não estou assim
às vezes não fico assim
às vezes estou dormindo
e o poema ri de mim.
(Santos/SP-Domingo/04:22hs)

publicado por Antonio Medeiro às 10:35
Terça-feira, 13 / 07 / 10

Mansidade

Com calma, Emerenciano disse:

Pô, Maria Alice, tu saiu com o Marcão! Que merda!

Foi só um chamego, Emê! Um chameguinho de nada! Tu viajou, demorou. Tu sabe que eu num gosto de ficar sozinha.

Mas o Marcão? Logo o Marcão, que vive me chamando de corno?

É o que eu tinha na mão, meu nego! A próxima vez eu procuro outro, pode ser até o Lorinaldo!

O Lorinaldo? Mas logo o Lorinaldo, que vive me chamando de frouxo?

É não, meu dengo! Tu sabe que tu é meu rei! É só uma safadagenzinha. Eu me amarro mesmo é em tu! Fico toda arrepiadinha quando tô perto de tu.

Faz isto não, Maria Alice! Fica só comigo!

Dá não, meu precioso. Tu viaja, demora... tu sabe que eu num gosto de ficar sozinha! Então eu me enrabicho. Mas tu já prestou atenção? É tu chegar e eu corro que nem uma cadelinha pros teus braços. Au! Au! Au! Meu cachorrão!

Ah, minha cadelinha safada! Minha cabritinha sirigaita. Num sei por que aguento tu!

Tu me aguenta por que eu sou a tua quenguinha, a tua rapariguinha, o teu amorzinho e tenho aquilo que tu mais gosta... a tua cheirosinha. Chega aqui meu Francisco Cuoco de 30 anos, que eu vou te dar um trato. Vou te dar um banho de cheirosinha! Do jeitinho que tu gosta! Vem cá minha cervejinha gelada, meu pirão de carne, minha farinheira, meu final de semana. Meu pedação de mau caminho!

Tu é muito safada, Maria Alice! Safadinha!!! Safadin...! Safa...!

Ah, Emê! Tu é a minha tapioca de coco! O meu acarajé apimentado! O meu suvaco de cobra! O meu baião de dois! O meu Visa sem débitos.

Ah, Maria Alice! Minha cheirosinha sem-vergonha!

Ah, Emê! Gianechine dos meus sonhos! Meu Paul Newman de 18 anos! Minha perdição! Tu viaja quando, mesmo?

Segunda, minha cheirosinha, segunda!

Ah, meu croquetezinho!...

Ah, minha cheirosinha!....

Ah!...

publicado por Antonio Medeiro às 10:27
Terça-feira, 06 / 07 / 10

Elegia do amor profano

Para Milena, Amanita, Inã, Amana e Nayê, filhos

De quem serão as crianças
que fazemos sem pensar?
E as que foram feitas
com nossa atenção dobrada
a leve mão na barriga
a doce voz pelos poros
aquela espera sentida...
o aflito contar das horas?

De quem serão as crianças
as pensadas, não pensadas?
Da rosa, cores, perfumes
bicos, pólen, vento...asas
espuma rondando a praia
azul lambendo o mormaço
gritinhos, olhos, desenhos
vida, arrepio...graça
campos de lantejoulas
matas, riachos, praças
cantiga de beija-flores
nuvens, chuva... fumaça?

De quem serão as crianças
as sonhadas, não sonhadas?
Das muitas, pobres partilhas
invasões, saques, ardis
eterna, vil armadilha
de sermos tão pueris
sozinhos, mudos, perdidos
consumido, mergulhados
no negro mangue dos dias
no frágil tic das horas
no seco som das palavras
no fundo poço dos olhos
na lenda viva, obscura...
nosso vulto na aurora?

De quem serão as crianças
as amadas, não amadas?
Das migalhas de um sono
não dormido, amamentado
no reles desejo de ira
violências, desagravos
no fino mel do veneno
faca...honra aviltada
no verde grão da inocência
humo...fome plantada
nas rudes, cegas verdades
dos levianos retratos
dos velhos, vagos anseios
pobres sonhos calados
na fria, tola permuta
a mesma face pintada
o mesmo sono invencível
vida, morte acuadas
desenhos, sons, aparências...
nosso próprio cansaço?

De quem serão as crianças
as cansadas, não cansadas?
Do gosto amargo da língua
das palavras malfaladas
do olhar fero, terrível
dos amores degolados
no eterno, doído medo
punhal... sentença talhada
na vida estéril, inerte
dos casais mal-acabados?

Serão de circo as crianças
plumas, vedetes, palhaços?
Mansos leões afagando mãos
chicote... o mágico
estranha plateia, cantigas
serenas formas aladas
aplausos, grito...delírio
o bis fluindo dos lábios
alma, corpo, destino
escadas do cadafalso
punhos, força, instinto
silêncio, reza... carrasco
rito, cenas, algemas
vaias, forca... sarcasmos
débeis flores nascendo
quietude, corte... mais nada?

De quem serão as crianças?
Do fato ou do nosso ato
de sermos todas as horas
um equilíbrio em farrapos
um pequenino retrato vazio
sem fundo... face
imagem nua... disforme
do amor carente de ordem
amor passível de morte
que veio, pousou nos olhos
teceu lampejos de posse
roeu cantigas serenas
comeu a linfa da vida
roubou a fé tão pequena
plantou sementes de ódio
tingiu o mel com veneno
torceu a linha dos sonhos
traçou o fio da sentença
forçando garganta abaixo
a sina dos mil dilemas?

De quem serão as crianças
as cantadas, não cantadas?
Do nosso parvo delírio
restos de dores guardadas
no rosto sério, ferido
nos olhos fitos, sem água?

Serão do crime as crianças
milhões de crimes da raça?
Dos vinte crimes de frases
de um só crime, a palavra
do crime acalentado
por nossa voz afiada
o frouxo corpo encolhido
as frágeis mãos calejadas
o cego gosto da posse
o couro cru da chibata
a vaga calma perdida
nessa triste, vil trapaça
de sermos feitos de alma
de vergonhas, de migalhas
de rotas pedras caídas
nas ruínas de uma praça
de honra, status, pompas
que não servem para nada?

De quem serão as crianças
as honradas, não honradas?
Do sujo, medonho espólio
herança sempre macabra
de quem nessa vida mata
com beijos o objeto amado?

Serão nossas as crianças
pernas, pâncreas, cada abraço
choros, birras, artes, manhas
risos, sonhos, pés, trapaças?
O voo de cada dia
a vida presa no laço
a plena vida escondida
vingança, neuro, disfarce
selada com sete chaves
ciúmes, medo, maldade
eleita, em coro, no escuro
pra servir de cambalacho?

Serão nossas as crianças
produzidas pras idades
ou serão como nós próprios
prisioneiras desse nada?

De quem serão as crianças
as que ficam, não ficaram?
Da fosca prata da lua
do seco pó das estradas
dos andaimes de concreto
das obras não terminadas
da fina imagem do vidro
dos olhos semicerrados
dos fundos sulcos, das rugas
pintura...rosto marcado
por esse suicídio lento
resíduo... vida calada
o nada - fuga impossível
essa agonia pirata
que ronda com suas espadas
o nosso peito de lata?

Serão do tempo as crianças
lábios, seios inchados
na cólica negra da noite
o canto desesperado
da fome - ave do vento
leite, no ego, estragado
por tanto sim escondido
por tantos beijos negados?

De quem serão as crianças
as beijadas, não beijadas?
Do nosso gostoso abraço
daquela velha amizade
do leve toque de pele
o livre canto sem hora
de tudo que prometemos
bonecas, parques e palmas
por tudo que lhes passamos
angústias, gritos e tapas?

De quem serão as crianças
com seus olhinhos sensatos
suas mãozinhas serenas
seus rostinhos alados?

Do curso longo, violento
das vidas atormentadas
dos vagos, duros rancores
de algum amor enfadado
desse olhar indescritível
dos adultos retalhados?

Serão de fato e direito
divisíveis, partilháveis
serão unguentos possíveis
pros nossos cortes baratos
pros nossos pequenos traumas
pra eterna falta de tato?

Serão nossas as crianças
as com marcas, não marcadas?
Ou desse medonho poço
vida, sonhos aprisionados
na rasa, pura mentira
essa sentença calada
de sermos filhos que somos
aflitos pais não lembrados
antiga fome contida
no peito - órgão gelado
por nosso fel escondido
no estranho mundo da alma?

Serão nossas as crianças
as faladas, não faladas?
Ou serão do mesmo barro:
filhos, pais, velhos, casais
gritos, medo, desatino
o silêncio... nada mais!

publicado por Antonio Medeiro às 10:13
Blog de TõeRoberto

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