Homens&Pássaros

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Terça-feira, 31 / 03 / 09

FARDA

1964 é um ano marcante para a minha geração.

Uma década em que mudamos do mel para o fel, da paz para a guerra, do sonho para o pesadelo, da luz para as trevas... trevas de mais de 20 anos.

Éramos crianças e o peso do coturno chegou com força total, pisando nossas cabeças inocentes... castrando intelectualmente uma geração inteira.

A rotina das pessoas mudou. A música mudou. O carnaval mudou. Tudo era tão claro, de repente ficou tudo escuro.

Tudo era um medroso suspense, como num filme de Hitchcock. Tínhamos medo de abrir a porta, de olhar embaixo da cama, de caminhar na rua, fosse noite ou dia.

Conversar com as pessoas não devíamos - garçons, motoristas de táxis, barbeiros: qualquer um podia ser o outro, aquele que denunciava por proteção, dinheiro ou ideologia.

Na escola proibiu-se autores, mudou-se o conteúdo das matérias, professores foram presos e a questão disciplinar passou a ser tratada com mão-de-ferro.

Eu, menino, me lembro de duas coisas que mudou drasticamente na minha escola: as filas e a farda... antes, uniforme.

As filas passaram a ser obrigatórias em tudo. Antes de entrar para a sala. Para voltar do recreio. Para sair da escola. Para.... A escola passou ser uma extensão da caserna.

A farda foi pior: éramos crianças e usávamos uniformes simples: calça azul-marinho - curta - camisa branca, meias e sapatos.

A nova ordem impôs: calca bege - comprida, com cinta - camisa bege de mangas compridas - com abotoaduras e gravata preta; meias pretas e sapatos pretos.

 As meninas também mudaram as cores para bege, meias pretas, sapatos pretos e saias bem mais longas do que as do uniforme anterior.

Nos tornamos verdadeiros soldadinhos.

Uma geração no divã da história. Vivemos ou sobrevivemos às mazelas da repressão?

Não sei, mas tenho certeza que, hoje, seria um cidadão bem melhor do que sou, tivesse vivido uma vida normal, sem castração, sem a humilhação de ter sido proibido de ler, assistir filmes, ouvir música e de, sobretudo, ter crescido em paz, longe da longa trajetória da violência que se instalou no país.

Vivi muito tempo no escuro e a claridade, hoje, me dói os olhos.

Que daqui para a frente, o bom senso nos livre desse tipo de mal... amém!
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música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Sábado, 28 / 03 / 09

A NOITE VII

Um cão
cachorro louco
ladra pra lua
uma consolo.

 

Um gato
felino arisco
mia pra D'Alva
um aviso.

 

Uma coruja
pássaro sinistro
pia pro Halley
um armistício.

 

Um homem
animal aflito
fala pro universo
um grito.

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música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Quarta-feira, 25 / 03 / 09

VOAR

Sempre fui pássaro. Adoro voar. Detesto levantar voo.

Levantar voo me lembra lágrimas, tristezas, fugas, adeuses... para nunca mais!

Gosto da essência do voo: planar nas nuvens, a paz infinita, o azul-celeste interminável... a imensidão da vida.

Mas voar é um desejo triste. Voar é a contradição absoluta da vontade humana.

Animal da terra, o ser se enraíza. Raízes o prendem ao chão e o impedem de voar.

O ar não enlaça raízes. Os pássaros somos seres imponentes.

Pequeninos que sejamos remetemos o ser à inveja e à esperança, à culpa e à absolvição.

Não tenho remorsos: pássaro nasci, pássaro exerço o meu dom nas tardes iluminadas.

Meu plano de voo é o voo: e eu o realizo com maestria e encantamento sobrevoando o infinito da liberdade sonhada.

Eu voo, mas voar não é atitude fácil: demanda abandono e despojamento. Voo porque nasci pássaro.

Mas o mundo é enraizado. O mundo não admite voos. O mundo não gosta de pássaros.

Sempre me cuido nos voos rasantes. São extremamente perigosos!

Deles podem advir as quedas, os enraizamentos intrínsecos - a reeducação formal.

O contato humano é inevitável.

Semana que vem posso estar na gaiola do prefeito.

Na outra, o gato!!!
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música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Domingo, 22 / 03 / 09

CASA

O espaço:
claro finito.

 

O sonho:
escuro conflito.

 

A parede:
imagem céu.

 

O sonho:
real bordel.

 

O piso:
frágil encantamento.

 

O sonho:
duro tormento.

 

O teto:
mórbida alegoria.

 

O sonho:
renúncia fria.

 

O todo:
falso concreto.

 

O sonho:
útil objeto.

.
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música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Quinta-feira, 19 / 03 / 09

CIDADÃO DO MUNDO

Estive pensando: não tivesse eu saído da cidadezinha onde nasci, o que teria acontecido comigo?

Como eu estaria, hoje?

Quem eu seria, hoje?

O que eu pensaria, hoje?

O que eu comeria, hoje?

Que música ouviria, hoje?

Quais seriam meus amigos, hoje?

Mas saí:

Borginho, Tó, Bet, Vera, Maurício, Dedé, Sofia, Dimirzinho, Paletta, D.Nenê, Seu Neguinho, Terezinha, Seu Juca, Luciana, Manduca, Toninho, Luzia, Du, Pratinha, Luizão, Ivan, Fernandão, Luizinho, Marli, Tata, Solange, Ana, Neide, Quilão, Chico, Zé de Alcântara, Glória, Gatão, Paco, Zé Carlos, Sônia, Ninho, Vininho, Beija-Flor, Marquinho, Sabino, Humberto, Kiko, Laércio, João, Laudelina, Marcinho CB4, Toninho, Jesus, Arnaud, Eliseu, Vilma, Israel, Messias, Vera, Stella, Rafael, Ivonete, Catarina, Eliane, Cida, Vilma, Clovinel, Ethel, Bruno, Lívia, Lilian, Nágla, Waldir, Tianinha, Carla, Hamilton, Sônia, Mário, Bueno, Dete, Norma, Manoel, Tião, Silvio, Gilberto, Bigode, Marco Pietragalla, Eunete, Selma, Anete. Euzébio, Audrey, Solange, Emi, Ivete, Koriyo, Malu, Kleber, Etsuko, Valter, Neide, Efraim, Jorge, Piga, Inês, Adinho, Laurinho, Roseli, Goiás Brasil, Dalva, Plinio, Sônia, Cida, Romildo, Chico, João Camilo, Zé Luiz, Alberto, Xinxim, Alberto, Jerônimo, Lurdinha, Josenildo, Marcos, Socorro Miranda, Socorro Lisboa, Socorrinho, Marieta, Rejane, Erotildes, Marcos, Socorro, Cristina, Duval, Bartô, Nado, Toinho, D. Carminha, Seu João, Cida, Melchior, Norival, Tonho, Almir, Nilza, Joca, Roberto, Andréa, Gabriel, Marcelo, Regina, Nelsinho, Lourenço, Bel, Aline, Fernanda, Netinho, Verinha, Camilo, Dênis, Laura, Valdir, Marlene, David, Tânia, Socorro, Mazé, Buza, Margareth, Jorge, Victor, Martins, Augusto, Nilton, Almir, Fernandão, Nádia, Elder, Citon, Rosa, Nestor, Nilton, Maria, Virgínia, Paulo, Pedro, Maria, Leda, Cecilia, Rodnei, Marilene, Angelina, Ama, Clareanna, Paulo Jr., Ana, Lafaiete, Luzitânia, Ádson, Sumário, Jô, Marquinho, Kátia, Vitória, Anselmo, Alic, Maju, D. Maria, Seu Wilson, Moacir, Nani, Cleusa, Emídio, Wagno, Chero, D. Rosa, Elminha, Roque, Lívio, Élcio, Seu Zé, D. Maria, Luciano, Gomes, Lorinho, Geraldinho, Adriana, Guto, Caru, Moacir, Maurício, Piedade, Diego, Thiago, Joana, Luiz, Vlad, Jane, Otto, Lucinha, Aélcio, Karina, Goiabeira, Guilherme, Doli, Cássio, Patrícia, Luciana, Alírio, Husmann, Jacqueline, Evelyn, Nendy, Fátima, Rildo, Milena, Marcelo I, Amanita, Marcelo II, Inã, Maurício, Renata, Reinaldo, Patrícia, Amana, Nayê, Hannah, Renan, Felipe, Tisto, Klebinho, Gabi, Aline...

Fora todos os outros, me desculpem, que esqueci de relacionar, mais uns 5oo adolescentes com os quais convivi.

Cabeças várias: Humanistas, comunistas, monetaristas, ateus, católicos, agnósticos, evangélicos, filósofos, intelectuais, poetas, compositores, cozinheiros, humoristas, bancários, economistas, desempregados, engenheiros, professores, médicos, garçons, motoristas etc etc etc...

Meus professores na Universidade da Vida: cultos ou incultos com eles me tornei uma pessoa melhor.

A múltipla convivência me deixou um cidadão mais consciente dos meus direitos e deveres dentro da sociedade.

Aprendi a comer de tudo.

A ouvir de tudo.

A gostar de tudo.

A conviver com tudo.

A respeitar as diferenças entre as pessoas.

A ser feliz com o que tenho.

E me tornei um cidadão do mundo.

Um abraço onde vocês estiverem.

P.S: Se você não estiver na lista, reclame!
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música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Segunda-feira, 16 / 03 / 09

INVASÃO

Por mais que eu lute o outro me invade.
O outro é duro, eu sou duro, é o combate.
O outro avança, eu me defendo, eu me debato.

 

Ela usa tudo: armas duras, penetrantes.
Usa meus sonhos, meus fracassos, meus espaços.
Usa meu tempo, meus desejos, meu cansaço.

 

O outro é duro, eu sou duro, a luta é sorte.
A luta é dura, a luta é louca, a luta é morte.

 

Vejo perigo: eu sou duro, eu sou forte.
Mas o outro avança com resignação e suporte.

 

Eu recuo: há o perigo de haver cortes.
Trago comigo coisas frágeis, que eu gosto.

 

Pôr em perigo o que é frágil pra ser forte
corre-se o risco de perder-se o que importa
de estar-se vivo por perdão, misericórdia.

 

Fujo da luta: vou arrastando e defendendo o que eu gosto.
O que eu sinto, o que eu sou, o que importa.
Vou com minhas flores, minhas fontes, os meus pássaros.

 

O outro é duro, eu sou duro, mas não importa.
Devo fugir e defender o que eu gosto.
O outro avança, eu recuo, o tempo corre.

 

Vou recuando e vou sentido às duras penas
que defender o que é frágil, os meus pertences
é uma lei que eu mesmo fiz com elementos
que não são frases, nem palavras, nem poemas.
São meus pedaços, meus resquícios, minha poeira.
São os anseios do que é vivo, do que pensa.

 

Recuo e sinto em meu corpo a violência.
Sou como Praga, suas ruas, sua gente.
Sou como a carne e a memória de Allende.
Como a mim mesmo nos dias mais decadentes.

 

Sinto com fúria, com dor, com insistência
que o tempo encurta, só um segundo resta.

 

E nada me salva desta!

 

A não ser o que o mundo acorde
e volte a ser sol e festa
e que pela pequena fresta
de luz que me forma a testa
venha à tona de minh'alma a tela
das coisas que vivi, as coisas belas
e o esboço do que fui, pela janela
entre por mim nessa batalha
e sem sequelas
me salve do invasor que me persegue
me acua, me ameaça, me esmigalha
com a perseverança e sagacidade de uma canalha.

 

Mas tudo é inútil:
no mundo não há sol, nem festas
e as coisas que eu fui já não existem
estão há muito tempo mortas
enterradas pelos campos da memória
esquecidas no escuro das idades
arquivadas nos museus da minha história.

 

O outro avança, eu recuo, passos lentos.
O outro avança muito firme, consciente
e com seu olhar muito duro, persistente
quer me prender no labirinto do seu tempo
e me encurrala no abismo de mim mesmo.

 

O outro é duro, eu sou duro, estou aflito.
Sinto perder meu poder, meu equilíbrio.
Há coisas frágeis que me importam em perigo.

 

Sinto escorrer lento, vago, destruído
no espaço escuro e infinito do abismo
o perfume calmo, penetrante e sublime
de uma flor que escapou dos meus sentidos.
Junto com ela se atira em desatino
por sobre as pedras incrustadas no infinito
toda uma fonte azulada, muito linda
que se atirou para fugir do mau destino.

 

O outro ri com meu riso, meu cinismo.
As minhas coisas, todas frágeis, vão caindo
uma a uma no infinito do abismo
que sou eu mesmo, minha vida, meus instintos.

 

E me entristece não ter forças nos sentidos
para segurar pelos meus bosques de menino
o meu pássaro mais querido
que cai num eco na amplitude do abismo
e se debate sem uma chance, em desatino
pra não ir junto com seu canto pro infinito.

 

O outro avança: eu recuo, estou caindo.
Atrás de mim, enorme boca, o abismo.
Um pouco do que sou ganha o infinito
sem protesto, sem vida, sem um grito.

 

O outro é duro, me empurra pro abismo.
O meu abismo, o meu eu, meu infinito.

 

O outro avança: eu recuo, estou caindo.
Mas antes que eu perca os meus sentidos
e já no espaço a caminho do abismo
sinto em meu eu que não sou eu, é o infinito
um arrepio com o que vejo me assumindo:
à minha frente, muito sério e muito limpo
está o outro que sou eu, o meu destino.

.
TõeRoberto-post in férias por aí/br

música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
Sexta-feira, 13 / 03 / 09

VIAGENS

Por viagens digo: comi merda, andei de carroça, fiquei sem banho, dormi em cama de pregos, caguei em folha de jornal, me limpei com urtigas, fui refeição de muriçoca... disputei comida com baratas.

Chega! Hoje em dia quero viajar e ficar no Maksoud!

Sky, internet banda larga, garçons educados, banheiros inteligentes, ar-condicionado, papel higiênico de folha dupla, café da manhã, jacuzi com hidromassagem, piscina... cama macia.

Eu quero sombra e água fresca!

Sinceramente! Cansei de ser pobre! Cansei de passar pó de café 03 vezes, passar saquinho de chá 02 vezes, usar papel higiênico dos 02 lados, perguntar preço em carrocinha de cachorro-quente, lavar copo descartável; cansei de comer pão com banana, miojo, ovo com arroz, pão amanhecido com água, chuchu sem sal, tubaína com broa de fubá; cansei de comer merda no quilo da esquina... cansei de andar de pau-de-arara.

Eu quero o filé mignon do Maksoud! Eu quero ser rico!

Tomei providências: no meu Visa, Mastercard e Diners o SERASA é o limite.

E estou indo bem: mês que vem não consigo mais pagar as merdas das faturas.

Mas como dizia e diz o meu velho amigo Pedrão de Santos/SP: "o futuro a Deus pertence!"

Sábias palavras!!!

O Maksoud não perde por me esperar!

Até as próximas férias!
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música: Variada
publicado por Antonio Medeiro às 05:00
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