Poemas Escolhidos

 

Para José de Alcântara e José Alves (Dedé),
amigos e mestres (IN MEMORIAN)

 

Lembro-me
éramos adultos corrompidos da rua Prudente de
Morais
sem número
onde nós os abomináveis bruxos de uma sociedade
enclausurada
nos umbrais da imbecilidade
bebíamos revolucionariamente nossa cerveja
idealista
e onde
às vezes
num comovente espetáculo sem sentido
pernas desnutridas entrando porta adentro
negligenciavam nossas vidas
com seus negros olhinhos
suas tristes alminhas.
E tu dizias:
"ora bolas, meu caro, bem eles!"
para depois
sorridente
esconderes a amargura
e destroçares num gesto de raiva um famoso
verso do nosso amor:
"Mas o mundo rodando
nas patas do meu cavalo
e no sonho que fui sonhando
as visões se clareando
as visões se clareando
até que um dia acordei."

 

Cá entre nós:
as coisas não têm idade e ainda nos vêm
em tempo
como novas
para relembrar.

 

Madrugada velha - como dizíamos -
chovia o samba chorado
de um velho e desconhecido amigo qualquer.
Os dedos doloridos pelo batuque apontavam
a rua
mostrando a hora de desviver
(para nós)
e de viver para as centenas de caras
felizes(?)
que preenchiam o dia-a-dia dos sem
finalidades.

J.A vomitava na pizza dos poltrões
e declamava descaradamente
entre puritanas mocinhas da detestável classe média
'Seios', para nosso deleite total.

E o tempo declinava ante nossas mórbidas
façanhas
(conforme diziam 'certos amigos').

 

Não gostaria agora que tu lesses
criticamente esta pequena asneira
que me vem aos dedos
(não penso como o dedo, datilografo).
Haverias
se te dissesse "que meu vem aos dedos"
de me corrigires detalhadamente
com teu português de "seis cervejas"
e me dirias ter eu criado algo de espantoso
fora das minhas possibilidades
(o que é meia verdade).

 

Se nosso sonho conjunto
mais o sonho conjunto do declamante J.A
não fossem os versos e os reversos da nossa
ansiedade alcoólica
haveríamos de congratular com mil amigos
nossa primeira vitória.
Mas e a conjuntura dos botecos em que nós do
submundo civilizado
vivíamos?
Não seria o novo rótulo de uma determinada
bebida
a que nós, o povo
chamávamos ópio nosso?

 

Nesses botecos sem conjuntura
(principalmente o nosso)
nada é preciso
pois além do chato futebol
e da bela e da feia mulher
tudo se transforma num magistral cemitério
de raciocínios
no meio de onde
fizemos escorrer insatisfeitos
nossas destroçadas vidas.

 

O que fazer? - perguntávamos entre um glut outro glut.
O que fazer?
Se nós os sábios carcomidos pela
ilegitimidade das coisas
morreremos na memória adormecida dos tolos
e as formigas da madrugada
cuidarão das nossas carcaças eternizadas.

 

Mas foram bons os tempos.
Não sei as coisas deixaram a graça caída
na sarjeta das evidências
ou se fomos longe demais
em nossas escaramuças noturnas.

 

A rua Prudente de Morais continua velha e malfreqüentada.
Respira-se com dificuldade o ar de suas
ruínas cansadas.
Nada de coisas sérias.
Nada de samba na noite.
Nada de vômitos descontraídos.
Tudo é solidão: suas paredes sujas
seus homens sujos
suas rotinas sujas.
Tudo é medo nos famigerados olhos de
macedinho
(personagem de uma crônica
minha no extinto Somov).


Tudo indica que caminhamos na rua Prudente
de Morais
para os Cem Anos De Solidão da admirável
Macondo
do nosso caro amigo Márquez.

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(Fonte: Poema - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB
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música: Disparada - Jair Rodrigues
publicado por Antonio Medeiro às 04:17