Homens&Pássaros

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Sexta-feira, 31 / 10 / 08

O ESPELHO

Textos Escolhidos

 

Estive pensando: o que seria de nós se não existisse o espelho?

O espelho não serve só para pentearmos os cabelos, escovarmos os dentes e fazermos a barba, entre outras coisas.

É, também, a nossa consciência.

Humor, dor, perspectiva, preocupação, tristeza, choro, riso, euforia, decepção, raiva, ira, alegria: está tudo lá.

No espelho podemos chamar a nossa atenção. Podemos nos punir. Podemos ter uma conversa franca com a gente mesmo. É o único momento que ficamos cara a cara com esse ser complexo e único: o nós!

O espelho é, além de tudo, o nosso crítico mais feroz.

Quantas vezes você cometeu algum ato infame e depois ficou morrendo de vergonha na frente do espelho?

Quantas vezes você mostrou língua para você mesmo?

E o dedo?

Vai me dizer que você nunca se chamou de babaca na frente do espelho?

Nunca dançou pelado e riu de você mesmo?

Nunca ficou com a cara lambida?

E a autocrítica: Tô gordo! Tô velho! Tô feio! Tô acabado!

O espelho expõe a nossa vaidade.

Perdemos horas e horas na frente do espelho corrigindo as nossas imagens distorcidas.

O espelho, redundantemente, é o reflexo de nós mesmos.

O espelho acompanha o nosso envelhecimento, é um diário das mudanças dos nossos rostos.

É muito paciente, nos envelhece devagar e sem sustos.

Reflete, dia após dia, como se fosse um conta-gotas, as mudanças: uma ruga no rosto, hoje. Um cabelo branco, amanhã. Uma barba branca, depois de amanhã.

O espelho é mágico.

Em um só cabe a humanidade inteira e com uma verdade incontestável: ele não deixa resíduos dos rostos nele refletidos, o que o torna muito seguro para nele refletirmos, escondidos, a nossa solidão irrefletida.
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(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
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música: Esquinas - Djavan
publicado por Antonio Medeiro às 05:26
Quinta-feira, 30 / 10 / 08

A 1ª PEQUENA HISTÓRIA DE UM ACONTECIMENTO

Poemas Escolhidos

 

Era um verão calmo
e os homens verde-amarelos
eram calmos como o verão calmo.

 

Na fazenda do cel. tinoco os homens comiam
dia sim dia não dia sim dia não
o feijão preto da tulha preta do coração preto
do cel. tinoco.

 

Pássaros negros, digo, pretos
esvoaçavam no ventre preto da mãe dos pretos/brancos
e comiam as frutas pretas fecundadas na noite.

 

Era um verão calmo na fazenda do cel. tinoco
que com sua tv preto&branco ligada
noite adentro
fazia malvadezas misteriosas no pantanal
da vida.

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(Fonte - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB

música: Angels - Enya
publicado por Antonio Medeiro às 05:28
Quarta-feira, 29 / 10 / 08

O PORCO

Textos Escolhidos

 

O porco já foi um animal de extrema importância na economia doméstica de muitos povos, inclusive dos brasileiros.

As pessoas do interior engordavam o seu porquinho em chiqueiros feitos no fundo dos quintais das casas.

Engordar o porco era um ritual coletivo: todos os vizinhos participavam.

Um pouco de milho daqui, umas verduras murchas de acolá, um resto de comida dali e... depois de meses: o dia do porco!

Matar o porco era um ritual digno de registro.

Muitas pessoas se envolviam e se locomoviam para participar do grande evento: homens, mulheres, crianças e o grande astro - o carrasco!

Escolhido a dedo, detentor de técnica apurada, ele sangrava o porco sem que o animal soltasse um grunhido sequer.

Existia um respeito para com o abate do animal.

Sangrado, os homens faziam a sua parte: sapecavam, pelavam e abriam o bicho; o resto era com as mulheres.

Elas destrinchavam o porco e separavam cada parte do animal para ser usada adequadamente.

Durante todo o dia: lingüiças, torresmos, carnes fritas, chouriços doces e salgados, pururucas e tachos de misturas negras, ferventes, na confecção do sabão.

Os homens riam, bebiam cachaça, comiam torresmos, pinicavam a viola, cantavam e, acima de tudo, jogavam o truco.

Os meninos levavam, de porta em porta, um pedaço de carne ou toucinho, uma lingüiça, um prato de torresmos ou um chouriço para os vizinhos que ajudaram a engordar o porco.

Gordura e carnes, já prontas, eram guardadas em latas de vinte litros para aguardar a engorda e o dia do próximo porco.

A lata e a gordura eram a geladeira da época.

Uma época de comportamento humanitário.

Tudo se foi: a criação de porcos, o respeito pelos animais e o comportamento humanitário.

Um dia, os grandes frigoríficos chegaram e impuseram leis restringindo este tipo de atividade doméstica.

Hoje, o porco se encontra congelado nas prateleiras dos supermercados.
.
(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB

música: Anônimo Veneziano - Franck Pourcel
publicado por Antonio Medeiro às 05:18
Terça-feira, 28 / 10 / 08

AS PALAVRAS

Poemas Escolhidos

 

Uma a uma as palavras vinham na boca dos mortos
e calmas e silenciosas infernizavam a noite
com seus cortantes conflitos.

 

Ganhavam asas e sobrevoavam a taciturna angústia
dos que lá se encontravam.

 

Os mortos falavam:
e dos olhos, cabelos
nariz, pele, boca, ouvido
as palavras saltavam
e forjavam na noite fria
os sonhos daqueles mortos
que em profundo silêncio,
nas mãos uma taça vazia,
erguendo um brinde à vida
palavras geladas bebiam.

.
(Fonte: Poema - Autoria de TõeRoberto)
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música: Strangers In The Night - Nicolas de Angeli
publicado por Antonio Medeiro às 05:25
Segunda-feira, 27 / 10 / 08

PARA REFLETIR

Textos Escolhidos

 

Há tempos, observo: a maioria das pessoas não gosta de assunto de gente politizada.

Pensam acreditar numa conversa fiada que existe por aí que não existe mais direita nem esquerda.

Não existe? Você pensa igual ao Bush?

Acreditam, ainda, que a relação comercial, por exemplo, entre o Brasil e os Estados Unidos é saudável e não existe exploração imperialista (tem gente que tem vergonha de usar esta palavra).

Por que insistem na Alca?

Ah, imperialista também é uma palavra que querem fazer desaparecer!

Os grandes países capitalistas, exploradores dos paises subdesenvolvidos, querem nos fazer acreditar que o que existe é um mundo globalizado, negócios sem fronteiras, com oportunidades para todo mundo.

Mentirinha!

Passam através da mídia essa falsa sensação de que a sociedade só funciona assim. Que não existe outro meio de organização e que o capitalismo nos faz melhores, porque nos tornamos verdadeiros atletas para vencer todos os grandes obstáculos que nos levam ao sucesso.

E a sua saúde onde fica?

Concordem ou não comigo:

As pessoas, hoje, vivem de futilidades: saem para almoçar, só falam dos seus empregos; começam a namorar, só falam de suas carreiras; chegam em casa, só falam dos seus negócios; saem para jantar... negócios; entram na universidade, dinheiro... negócios! Sexo, vício e superação estão em alta.

O Pierre Cardin que viu no shopping, o celular da motorola, o carro da honda, o perfume francês, a digital da sony, aquele par de sapatos prada, a manicura, o spa, o cd do U2, a academia, o restaurante especial, aquele apartamento em Copacabana.

A classe média baixa e os menos pobres (se é que isto existe) também vivem da mesma maneira, só trazem os assuntos e os sonhos de consumo para dentro das suas realidades.

Não que ter coisas, pensar em ter coisas não seja importante, mas quando este comportamento é regra para a maioria das pessoas da sociedade e ter coisas é só o que importa, os prejuízos vão se acumulando no balanço da vida nacional: a cultura está um farrapo, a miséria se disfarça atrás dos programas de distribuição de esmolas do governo, a educação é uma vergonha internacional, a saúde uma mancha na consciência de todos nós e o problema fundiário é o que vemos todos os dias na tv.

Observei que, na maioria dos casos, as pessoas que não gostam de conversar assuntos de gente politizada não gosta não por ser despolitizada, mas sim por serem egoístas.

Acreditam que devem ficar quietas no seu cantinho, com todos os seus privilégios assegurados.

Mexer com assuntos tão polêmicos pode, pensam elas, trazer prejuízos para suas vidas tranqüilas.

Entretanto, esquecem que tudo isso acontece também dentro das suas casas e que, mais cedo ou mais tarde, alguém da sua família acabará pagando, com juros, essa imensa dívida social.
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(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB

música: Ideologia - Cazuza
publicado por Antonio Medeiro às 05:56
Domingo, 26 / 10 / 08

O PÁSSARO DÉBIL

Poemas Escolhidos

 

Explode o grito
do meu pássaro débil
em patéticas cantigas
ao luar.

 

Bethoveanos dedos
procuram nebulosas formas
da Jobiniana melodia
que aos homens afoga
com suas Águas de Março.

 

De nada somos feitos:
eu e meu pássaro debilóide.
- Quem foi Freud?
O homem que compunha psicoses
ou o cantor da liberdade?

 

Não o sabe meu pássaro.
Se soubesse
mudo permaneceria o bico.
Escorado é o mundo
em palavras sem sentido.
Loucos somos
e nossa loucura é iníqua.

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(Fonte: Poema - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB

música: Águas De Março - Tom Jobim&Elis Regina
publicado por Antonio Medeiro às 05:20
Sábado, 25 / 10 / 08

ÁRVORE DA FERRADURA

Textos Escolhidos

 

A Árvore da Ferradura faz parte do meu imaginário.

É coisa perdida nos longes da minha infância.

Casos de assombração: uma ferradura fixada numa árvore; um mineiro dado a histórias e... pronto!

A Árvore da Ferradura tornou-se a residência do diabo.

Por ela muitas noites eu passei, junto com meu pai e minha mãe, a caminho de casa, na roça.

Todas as vezes o mesmo assombro, o mesmo medo, o mesmo susto.

Anos depois, dediquei a ela um pequeno texto.

Assim:


O diabo aparecia embaixo da Árvore da Ferradura. Houve gente que viu e ficou branca de medo, tal a feiúra do bicho.
Os olhos de fogo, garras pontiagudas, chifres enormes, dentes muito brancos, compridos, que pingavam sangue.
Era lá na Árvore da Ferradura que todas as sextas-Feiras, à meia-noite, o danado aparecia.
Constâncio vinha da cidade no seu cavalo magro,trotão; sexta-feira, já perto da meia-noite.
Cabeça vazia, bêbado, cantarolava alegremente sem qualquer preocupação.
A Árvore da Ferradura já perto. O cavalo refugou e quis voltar. A espora sangrou as virilhas sem dó. O diabo no barranco, estancado.
Constâncio, mão na cintura, trinta e oito na mão, o grito:
- Lá vai fogo!
O diabo está quieto.
- Lá vai fogo!
O estampido encheu a noite. O diabo emborcou-se com a mão na barriga e, sem um gemido sequer, rolou mansamente do barranco na figura do compadre Gumercindo, muito dado a histórias de assombração.


Hoje, há muito tempo, a usina de açúcar e álcool arrancou, do imaginário dos mais velhos, a Árvore da Ferradura, suas histórias e a cruz do compadre Gumercindo.

O diabo foi obrigado a transferir a sua residência para outra freguesia.
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(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB

música: Viagem - Baden Powell
publicado por Antonio Medeiro às 05:32
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